Danças, vibrações e pistas químicas – como os feromônios, hormônios secretados por mamíferos e insetos – são alguns exemplos de comunicação entre abelhas sociais, para a manutenção da própria vida. Porém, muitas das ações humanas no ambiente, tais como o desmatamento, uso indiscriminado de pesticidas, e fenômenos como o aquecimento global prejudicam essa troca de informações, o que pode impactar a sobrevivência desses insetos.
Abelhas sociais são aquelas que se organizam em colônias, com uma rainha e centenas de operárias, por isso possuem sofisticadas estratégias de comunicação, importantes para a sobrevivência dessa população. Elas transmitem informações sobre as fontes de alimento, como a disponibilidade, a localização exata e o cheiro.
Pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e do Instituto de Biociências (IB) da USP analisaram como as diferenças entre os habitats das abelhas sociais e as características biológicas delas diversificam as estratégias de comunicação, e como as ações humanas alteram o ambiente e modo de interação entre elas. As informações estão no artigo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) em junho.
Uma das estratégias mais conhecidas é a dança das abelhas Apis mellifera, descoberta na primeira parte do século 20 por Karl von Frisch, etologista alemão, em que as operárias fazem movimentos circulares para informar para o restante de suas companheiras de ninho a localização da fonte de alimento.
“Quando se fala da comunicação de abelhas todo mundo pensa na comunicação da Apis mellifera. O que nós temos no Brasil, e também em outras regiões tropicais do mundo, são as abelhas sem ferrão, que se comunicam de outras formas”, alerta o professor Michael Hrncir, do Departamento de Fisiologia do IB.
Segundo o pesquisador, as abelhas sem ferrão podem se comunicar por meio de vibrações (assim como a Apis mellifera também faz). Quanto mais intensa a vibração, maior a qualidade do alimento. Um terceiro grupo de abelhas sociais, as da tribo Bombini, conhecidas como mamangavas-de-chão, produzem sons para transmitir informações.
“Além dessas estratégias, as abelhas também transferem informações sobre o cheiro da fonte de alimento, porque quando elas entram em uma flor, elas se sujam. No ninho, as outras abelhas, agora que foram ativadas por vibrações e sons, não vão precisar simplesmente seguir a abelha que encontrou o alimento, apenas vão precisar seguir o cheiro da flor”, explica o professor.
Esse sistema social evoluiu durante milhares de anos para estabelecer, entre cada grupo específico, o tipo de comunicação mais adequado para encontrar e explorar eficientemente as fontes de alimento. No entanto, as pressões das atividades antrópicas (ações humanas sobre o ambiente) interferem direta e indiretamente no sistema de comunicação dessas abelhas.
“O desmatamento acarreta a fragmentação de habitats, o que altera a distribuição, a diversidade e a disponibilidade de recursos alimentares e de nidificação [construção de ninho] para as abelhas. Assim, ambientes altamente fragmentados podem diminuir o sucesso das colônias se a abundância da fonte de alimento não for mais suficiente, já que elas identificam e comunicam para suas companheiras de ninho os locais onde estão as fontes de alimento”, aponta Denise Alves, pesquisadora do Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq, coautora do artigo.
A pesquisadora explica que o calor afeta de forma química o ambiente desses insetos. “A comunicação química é essencial para as abelhas sociais. A grande maioria das espécies vive em cavidades, que são ambientes escuros e quimicamente muito ricos. Temperaturas muito altas alteram a volatilidade dessas moléculas químicas, afetando o reconhecimento que elas precisam ter em relação tanto à fonte de alimento, quanto às suas companheiras de ninho”. Além disso, as alterações de temperatura podem modificar a fenologia de plantas usadas para forrageamento das abelhas, ou seja, as plantas alteram o período de abertura de flores e a oferta de alimentos, o que obriga as abelhas a adaptarem suas estratégias.
Também, de acordo com alguns estudos, o corpo das abelhas é afetado pelo aquecimento, o que impacta a produção de vibrações e sons. A alta temperatura corporal das forrageiras que retornam ao ninho pode ser vista como um comportamento de recrutamento por causa das vibrações emitidas. Ainda, o desenvolvimento cognitivo (como as habilidades sociais, de reconhecimento de qualidade alimentar e noção de espaço) das abelhas recém-emergidas pode ser comprometido pelas altas temperaturas dos ninhos, o que afeta a sobrevivência da colônia a longo prazo.
Outro fator que pode interferir nas capacidades cognitivas e motoras desses insetos é a exposição a pesticidas, que afetam o sistema nervoso em relação à formação de memória e aprendizagem. “Consequentemente as abelhas não vão ter uma capacidade tão boa de avaliar a fonte de alimento e também não vão ter uma noção tão boa sobre orientação espacial”, diz o professor Michael.
Mesmo os biopesticidas (aqueles baseados em matéria de organismos vivos) podem ter efeitos negativos. Ao entrar em contato, o produto modifica a camada química de reconhecimento dos insetos, e o restante da colônia não percebe a contaminação e permite a entrada de uma abelha que pode adoecer a colônia. “Alguns estudos também mostram que pode haver muitos resíduos de pesticidas [químicos e biológicos] dentro do ninho. O que causa um efeito a longo prazo, porque elas podem estocar alimento, que por sua vez vai contaminar a cria”, explica Denise.
Os pesquisadores apontam que a adaptação às rápidas e contínuas ações antrópicas das abelhas, e até mesmo outros animais, é impossível, já que o comportamento desses organismos são resultado de milhões de anos de evolução. “Nós [seres humanos] estamos mudando rapidamente essas condições e o que vai acontecer é que as abelhas que não conseguem viver nessas novas condições vão desaparecer de determinados ambientes”, constata Michael.
Isso não significa que todas as abelhas desaparecerão, algumas espécies conseguem tolerar melhor as mudanças, como aquelas espécies com maior distribuição geográfica. No entanto, os impactos específicos sempre serão negativos, segundo os pesquisadores. “Haverá aquelas que conseguem se manter em outro ambiente menos impactado, mas no ambiente mais impactado, possivelmente, elas vão sumir por não conseguirem acompanhar essas mudanças”, diz Michael.
Para o meio ambiente e para os humanos, a ameaça às abelhas implica impactos na biodiversidade, agricultura, segurança alimentar e bem-estar. O serviço ecossistêmico que as abelhas realizam com a polinização é de suma importância para todas as atividades humanas relacionadas ao meio ambiente. “O impacto é ainda maior na biodiversidade. As abelhas são responsáveis pela polinização da maioria das plantas silvestres e cultivadas com flores. A diminuição de suas populações acarreta um impacto muito mais gigantesco que o mensurável pela economia”, alerta Denise.
Algumas medidas de proteção às abelhas podem ser aplicadas, mas levam tempo para serem implementadas com eficiência, segundo os pesquisadores. Para Denise, como um dos maiores problemas enfrentados pelas abelhas é a diminuição dos habitats naturais, é necessário implantar corredores ecológicos para mitigar problemas de diminuição dos tamanhos populacionais, de redução de fontes de alimento e construção dos ninhos.
Jornal da USP Foto Agencia Brasil
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