Parlamentares da base governista e até da oposição acusaram o coronel Jean Lawand Junior de ter apresentado contradições e mentido durante depoimento à CPI dos Atos Golpistas, em sessão nesta terça-feira (27).
O militar foi chamado a depor após a descoberta de mensagens entre ele e o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Essas mensagens constavam do celular de Cid, alvo de uma operação da Polícia Federal por suposta fraude no cartão de vacinas de Bolsonaro.
Nas conversas, Lawand citava uma mobilização para impedir a posse do presidente Lula (veja detalhes abaixo). Na CPI, ele alegou que "em nenhum momento" falou em golpe de Estado e disse que as mensagens pediam uma manifestação de Bolsonaro para "apaziguar" o país.
No entanto, para parlamentares, as explicações dadas pelo coronel são divergentes do conteúdo das conversas em si (veja comentários abaixo).
Diante dos diversos comentários nesse sentido, a relatora, Eliziane Gama (PSD-MA), propôs uma sessão secreta, reservada somente aos parlamentares, para que o militar pudesse falar mais abertamente.
Lawand, então, respondeu que não tinha interesse, e a sessão prosseguiu de maneira pública. No intervalo, a relatora defendeu a quebra do sigilo telemático (telefônico e de mensagens) do coronel.
Parlamentares duvidam
O senador oposicionista Marcos Rogério (PL-RO), aliado de Bolsonaro, disse que a narrativa do militar "não para de pé".
"Com relação ao coronel Lawand, eu não sei quem lhe orientou, mas de verdade o senhor não convence ninguém", disse. "O senhor apequena a sua história, atrofia o sucesso da sua carreira e tenta impor uma narrativa que não para de pé ao menor esforço", afirmou.
O senador Sergio Moro (União-PR) também disse que "não se convenceu" com as explicações apresentadas pelo militar para as mensagens.
A relatora da CPI, Eliziane Gama, aliada do governo, disse: "Me desculpe, coronel, mas não tem sentido [uma resposta dada pelo militar], considerando o conteúdo das suas mensagens". A senadora, então, pediu a Lawand que não "infantilizasse" a inteligência dos parlamentares.
"Coronel Jean, quero lembrar aqui ao senhor que o Brasil todo está vendo seu depoimento e que na sua fala à senadora Eliziane, o senhor apresentou quatro possibilidades. Quero que o senhor deixe muito claro qual dessas, de fato, ocorreu. Se faltar com a verdade, pode ser o primeiro a receber voz de prisão nesta CPI. [...] Essa contradição, eu percebi em seu depoimento", declarou, por exemplo, o deputado Duarte Junior (PSB-MA).
O deputado André Fernandes (PL-CE), da oposição e aliado de Bolsonaro, disse que acredita na "indignação" do coronel com o resultado das eleições do ano passado, mas também duvidou da versão apresentada por Lawand para as mensagens.
"Seu coronel, sendo bem honesto, eu não acredito muito no que o senhor disse aqui, mas eu também não posso dizer que é mentira. Se alguém quiser acreditar, que acredite. Isso é pessoal. Mas eu particularmente não acredito", afirmou.
O deputado Rogério Correa (PT-MG) foi mais incisivo, afirmando que Lawand estava mentindo à CPI. "O senhor sabia que o peixe morre pela boca? Já ouviu esse ditado? Que a mentira tem perna curta, o senhor já ouviu? O senhor vai continuar mentindo? O senhor está mentindo. O senhor é um mentiroso, coronel. O senhor não está tergiversando, o senhor está mentindo", afirmou Correa.
"Ninguém acreditou na sua versão, ninguém", afirmou, também, o deputado Rubens Pereira Junior (PT-MA).
Versões do coronel
No depoimento, o coronel do Exército Jean Lawand Júnior afirmou que foi "infeliz" em algumas das mensagens enviadas. Em um trecho dos diálogos, em 10 de dezembro, o militar escreveu:
"Cid pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB [Exército Brasileiro] não está com ele, de Divisão pra baixo está".
À CPI, Lawand tentou explicar a mensagem e alegou que foi uma conversa com um amigo, e que "não tinha motivação para qualquer tipo de golpe".
"Esta colocação minha, eu fui muito infeliz. Sou um simples coronel conversando num grupo de WhatsApp com um amigo. Não tinha comandamento, não tinha condições, não tinha motivação para qualquer tipo de golpe. Essa observação minha foi muito infeliz porque eu não tenho contato com ninguém do alto comando. Então, fui infeliz, me arrependo", afirmou Lawand à CPI.
Aos parlamentares, Lawand disse que, ao enviar as mensagens a Cid propondo a ação de Bolsonaro, buscava evitar "convulsão social".
"A sociedade brasileira, dividida em opiniões, acerca de 'o que vai acontecer?', 'o que vai ser agora?', 'como foi o pleito?'. A gente vendo aquelas pessoas, a insegurança trazida por aquilo, que podia levar a alguma convulsão social, a alguma revolta, a um problema na segurança, foi o que eu falei", afirmou.
"As pessoas estavam tentando entender como aquilo terminaria. A ideia minha desde o começo, desde a primeira mensagem com o tenente-coronel Cid, foi que viesse alguma manifestação para poder apaziguar aquilo, e as pessoas voltarem às suas casas", acrescentou.
Mensagens com Mauro Cid
Nas mensagens apreendidas pela PF, Lawand propôs a Mauro Cid, ainda em 2022, que Bolsonaro atuasse para que Forças Armadas impedissem posse de Lula (PT).
"Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O presidente vai ser preso. E, pior, na Papuda, cara", afirmou Lawand Júnior em um áudio a Cid, em 1º de dezembro de 2022.
A última troca de mensagens entre os dois ocorreu no dia 21 de dezembro de 2022. Jean Lawand Júnior escreveu: "Soube agora que não vai sair nada. Decepção irmão. Entregamos o país aos bandidos". Cid respondeu: "Infelizmente".
O coronel chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que pudesse ficar calado durante o depoimento à CPI.
Ao analisar o pedido, a ministra Cármen Lúcia determinou que Lawand fosse à comissão, mas o autorizou a ficar em silêncio para não produzir prova contra si.
Outros depoimentos
Ao longo das últimas semanas, a CPI ouviu os depoimentos de outras pessoas, entre investigadas e testemunhas.
Já foram ouvidos, por exemplo:
Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, suspeito de ter usado a estrutura da corporação para prejudicar eleitores de Lula no dia do segundo turno da eleição do ano passado;
Jorge Naime, ex-chefe de Operações da Polícia Militar do Distrito Federal, suspeito de omissão no dia dos atos golpistas;
Renato Carrijo, perito da Polícia Civil do DF que atuou no episódio da bomba encontrada em um caminhão nos arredores do aeroporto de Brasília às vésperas da posse de Lula.
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