Artigo - Junho

No sertão – em havendo chuva, e geralmente há –, junho é o mês da floração, o mês em que a paisagem, antes ressequida, se reveste de cores e aromas, devolvendo-se à natureza sua graça e seu encanto.

Mas junho é principalmente a magia do Santo Antônio, do São João e do São Pedro.

Nutro um fortíssimo apreço pelos festejos juninos, em especial o São João, aliás, minha festa predileta. De fato, de todos os grandes festejos ocorridos durante o ano, o São João, sem dúvida, é aquele que mais intensamente me toca – e é principalmente dele que quero falar.

É evidente que não dá para falar do São João sem recorrer a aspectos fundamentais da sua tradição, todos já cantados em prosa e verso.

Não dá para falar do São João sem fazer menção à tradicional fogueira, um dos símbolos mais representativos desse patrimônio da cultura nacional. Da mesma forma, não dá para falar do São João sem citar sua excelência o forró pé de serra, cuja história está intimamente associada aos festejos juninos.

Porém, não quero falar do São João em tom saudosista, como a tratar de algo perdido num passado remoto, alguma coisa de inacessível à atual geração – pois este não é o caso. E espero que nunca seja.

Quero falar do São João como uma festa viva, dinâmica, uma festa que se faz atual a cada ano, e, o mais importante: sem perder seus traços fundamentais, ou seja, aquilo que a ensejou no passado e que a acompanhou ao longo dos anos, até embarcar nos dias atuais.

Pode-se dizer que o São João é um misto de sons, cores, sabores e aromas, tal e qual a natureza que o circunda nessa quadra especial do ano.

A música assume um papel de fundamental importância na dinâmica dos festejos juninos (e joaninos), sendo o forró – o bom e velho forró – o ritmo que historicamente melhor se identifica com a ocasião.

Nesse contexto, a quadrilha ocupa um lugar de todo privilegiado, tornando-se, por assim dizer, um item quase que obrigatório.

Aliás, considero a quadrilha um dos momentos mais fascinantes do tempo junino, um daqueles momentos sem os quais a festa não teria o mesmo brilho. Na quadrilha, por meio do embalo dos corpos em movimento, pode-se testemunhar – e isso é extraordinário – algo como o encontro da vida com a arte e da arte com a vida, o que as torna – ou seja, arte e vida – quase que uma só coisa.

E a culinária? Ah, a culinária! Uma delícia!

Antes de tudo, devo enfatizar que aquilo que se convencionou chamar comida típica, na verdade são pratos da culinária regional (ou, se quisermos, territorial), todos procedentes da agricultura familiar, portanto, fruto do trabalho suado dos próprios sertanejos, também eles, protagonistas da festa.

Seja como for, poucas não são as delícias que integram o farto cardápio dos festejos juninos (em especial o São João), havendo ali comida para todos os gostos, só dependendo da preferência do freguês.

Eu, da minha parte, prefiro aquelas oriundas do milho, como o mungunzá, a pamonha, a pipoca, a canjica, o bolo de fubá, ou outro qualquer. Contanto que seja do milho. Licor, não curto. Sou mais o quentão. Outros, por sua vez, preferem o beiju de tapioca, o bolo de aipim, o bolo de puba, o amendoim cozido, o pé de moleque, não faltando, obviamente, aqueles que optam por tudo isso e mais um pouco. Não importa, é até bom que assim seja, afinal, no banquete junino (sobretudo no joanino), o que não faltará é comida, e comida com fartura. E da boa.

Sabemos todos que qualquer festa que realmente se preze não poderá nunca prescindir da partilha da comida. Pois é partilhando o alimento que se estabelecem, entre outras coisas, os laços de comunhão e solidariedade, valores cada vez mais imprescindíveis.

A festa junina – o São João principalmente – não poderia fugir a esta regra.

Até defendo ser a comida – e a comida com fartura (e com qualidade) – a característica fundamental da festa junina, o que a torna – defendo também isso – um excelente modelo para a sociedade que todos almejamos, ou seja, aquela onde não haja fome e todos possam se alimentar com dignidade. E que, como o São João, seja permeada de beleza e alegria. Não uma vez, mas o tempo todo.

Enfim, o velho forró pé de serra, outrora tão reverenciado, agora já não é mais o mesmo. As próprias fogueiras, com toda a sua simbologia, há muito que são questionadas... (o que é de todo compreensível).

Mas o colorido do São João – assim como do Santo Antônio e do São Pedro –, o colorido estampado em cada momento da festa, desde o embalo da dança até o encontro agápico em torno da comida, este colorido é indelével e continua mais vivo do que nunca.

Decididamente, junho não é um mês como outro qualquer. Junho é a própria dinâmica da vida. Melhor: junho é como deveria ser a dinâmica da vida.

José Gonçalves do Nascimento

Escritor