Recentemente eu escrevi na minha lista de transmissão do whats App, um texto sobre o livro Os sertões de Euclides da Cunha.
Como muita gente comentou o texto, eu resolvi adicionar alguns dados novos e escrever algo mais longo, pois assim que acabei de ler o livro, fiz uma mini tour de shows em Canudos e Euclides da Cunha e visitei os locais da guerra, museus, ouvi histórias e me aprofundei um pouco mais no assunto.
Bem, como eu já havia falado antes, ler Os Sertões é uma tarefa árdua e exige concentração total, pois, a leitura é difícil e densa, com um extenso vocabulário, com
muitas palavras nunca vistas antes, que seguidamente temos que ver o significado no dicionário. É quase como ler em inglês, quando não se conhece bem a língua, algumas palavras você deduz pelo significado do texto, mas outras tantas temos que recorrer ao dicionário.
Falando sobre o livro propriamente dito, devo dizer que antes de lê-lo, ouvi muitos relatos de que a primeira e segunda partes do mesmo eram muito chatas, que bom mesmo era a parte da guerra, o que eu discordo totalmente. Euclides descreve o homem sertanejo e a caatinga como ninguém. É muito detalhe técnico em todos os sentidos. Um engenheiro Militar (que era a formação dele), que descreve as plantas da caatinga como um botânico.
Vou citar, para se ter uma ideia, como ele descreve a forma do umbuzeiro, planta nobre do sertão, que é aparada pelo gado: “realça-se-lhe, então, o porte levantada, em recorte firme, a copa arredondada, num plano perfeito sobre o chão, à altura atingida pelos bois mais altos, ao modo de plantas ornamentais entregues à solicitude de práticos jardineiros. Assim decotadas semelham grandes calotas esféricas”. Tece considerações sobre a origem do sertanejo como raça, cita estudiosos do mundo todo da época, tinha uma visão global do mundo e um conhecimento da história, filosofia e etc, impressionantes.
Eu, como geólogo, fiquei perplexo com as observações geológicas dele. E o que dizer das descrições topográficas. Gente, em 1897 não existia avião, nem fotografia aérea, meio utilizado pelos geólogos para entender a geologia e topografia de certa região. Pois ele descrevia tudo como é, serras, montanhas, vales, cerrado, gerais, etc, etc. Isso é sensacional!
Apesar de todos esses detalhes, Euclides da Cunha ficou apenas 16 dias em Canudos, de 16 de setembro a 02 de outubro de 1897, já no final da guerra, uma vez que Canudos foi tomada em 05 de outubro, quando seus últimos quatro combatentes foram mortos. Depois disso Euclides retornou para Monte Santo, e lá permaneceu, não se sabe por quanto tempo.
Contam na região que ele escreveu um texto para o Jornal (ele era correspondente de guerra para um jornal do Sul) contra a guerra, por isso brigou com o Comandante do exército que o expulsou de Canudos.
Com relação á guerra, é um relato nu e cru, horripilante ás vezes, “chega inté fazer dó”, como diz Targino Gondim. Foi um massacre sem sentido, uma mancha de sangue na nossa história.
Por fim recomendo a leitura das 451 páginas do livro, editadas em letras pequenas, com paciência, concentração e muita atenção.
CANUDOS DEPOIS DA GUERRA - Visitando a região pude entender melhor o que aconteceu depois da guerra. Pra começar devo dizer que os habitantes de Canudos a chamavam de Belo Monte, o nome de Canudos surgiu depois, não sei bem exatamente como, mas na época da guerra o resto do Brasil já a chamava assim.
Bem, na verdade, pelo que entendi existiram quatro Canudos, senão vejamos: a primeira Canudos, a original, construída por Antônio Conselheiro, foi incendiada e destruída pela guerra; no início do século XX, não se sabe ao certo que ano, o povo, principalmente os devotos ao beato, voltou e construiu uma segunda Canudos; o governo brasileiro, na época de Getúlio Vargas, decidiu construir uma barragem na região e iniciou as obras em 1951; com o advento da ditadura, o governo militar concluiu em 1966 a barragem de Cocorobó, para inundar canudos e encobrir para sempre essa mancha de sangue na nossa história.
Com isso os moradores se mudaram para dois locais, Canudos Velho, que existe até hoje e é a terceira Canudos e Alto das Pombinhas; mais tarde, os moradores desse Alto, que era à jusante da barragem, se mudaram para outro local à montante, com medo da barragem quebrar e afogar todo mundo, chamado de Cocorobó. Esse povoado se tornou município em 1985 e mudou de nome para Canudos, formando assim a quarta Canudos, que é a cidade que existe hoje. Interessante, não?
Visitando o Parque Estadual de Canudos, se pode ter uma noção das dificuldades encontradas pelo exército na guerra, devido à topografia acidentada, com morros e serrotes e vales íngremes e um tanto quanto profundos. Isso, associado à vegetação de caatinga, dificultava muito a mobilidade das tropas e também às deixavam mais suscetíveis às emboscadas dos sertanejos. A visita ao parque é emocionante, principalmente para quem leu Os Sertões, pois a todo instante avista-se locais históricos narrados por Euclides no livro, como o Alto da Favela, Alto do Mário, Fazenda Velha, trincheiras conselheiristas, hospital de sangue, vale da morte etc e etc.
Para concluir esse texto, devo dizer que a comunidade de Canudos foi a primeira e única experiência socialista no Brasil. Corroborando essa afirmação, quero citar um
parágrafo de Nertan Macedo, escrito para a revista O Cruzeiro em 1964, que está nos painéis de vidro no Parque Nacional de Canudos: “Grande era Canudos do meu tempo. Quem tinha roça, tratava da roça na beira do rio. Quem tinha gado, tratava do gado. Quem tinha mulher e filhos, tratava da mulher e dos filhos. Quem gostava de reza, ia rezar. De tudo se tratava porque a nenhum pertencia e era de todos, pequenos e grandes, na regra ensinada pelo Peregrino”. Muito lindo isso! Como pode um país exterminar uma sociedade dessas?
Autor: Luiz do Humaytá ( geólogo, pecuarista, cantor e compositor).
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