Deitar-se e lembrar-se de compromissos, tarefas pendentes e problemas a resolver, a ponto de perder o sono ou demorar muito para dormir, pode ser um sinal de ansiedade noturna.
Segundo o pesquisador e colaborador do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Álvaro Cabral Araújo, a ansiedade noturna é “aquela percepção de que se chega ao final do dia e os pensamentos ficam mais acelerados, as preocupações afloram e o indivíduo pode perceber desconfortos como o aperto no peito, palpitações, respiração mais acelerada, isso dentro do contexto de um quadro de ansiedade que pode se agravar próximo da hora de dormir”.
Uma pesquisa realizada pela Academia Brasileira do Sono durante novembro de 2020 e abril de 2021 revelou que 70% dos brasileiros não estavam satisfeitos com a qualidade de seu sono e que o hábito de pensar em questões do dia a dia ao se deitar aumentou 5,1%, passando de 28,3% para 33,4% do total de entrevistados. A pandemia da covid-19, contexto em que foi feita a pesquisa, apenas agravou um problema que já era preocupante.
A ansiedade noturna não só prejudica isoladamente as noites de sono nas quais é sentida. A longo prazo, ela pode acarretar prejuízos nas funções cerebrais, como explica Lucas Baviera, psicólogo, especialista em Psicoterapia Psicanalítica e mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da USP: “Com relação ao prejuízo do sono, a gente pode listar principalmente a questão da capacidade de aprendizado, de reter informações novas, capacidade de atenção e a capacidade de memória. Mesmo informações já retidas que estão na memória podem ficar prejudicadas, conforme o sono vai perdendo qualidade”.
Muito associada à insônia, a ansiedade noturna é comum entre pessoas que convivem com o transtorno de ansiedade e a relação pode ser interpretada como cíclica: “É um sistema retroalimentativo, porque aí a pessoa está preocupada em dormir, porque precisa dormir, porque ela vai acordar muito indisposta no dia seguinte se não dormir bem. Isso tudo são fatores que vão aumentando a ansiedade e, aumentando a ansiedade dela, fica menos propício ter esse ambiente convidativo do sono”, complementa o psicólogo.
Embora haja essa conexão profunda, é possível identificar a diferença entre a ansiedade pré-sono e outros distúrbios do sono: “Um sinal importante, que pode marcar essa diferença, é que a ansiedade noturna vai dizer respeito a preocupações, outros distúrbios de sono não necessariamente envolvem preocupações. A gente pode pensar, por exemplo, na insônia da pessoa que acorda no meio da madrugada querendo fazer algo. A pessoa talvez esteja querendo gastar energia, querendo ser produtivo ou algo do tipo. A ansiedade noturna vai dizer respeito a preocupações e medos, sejam eles fundados em algo concreto da vida da pessoa ou algo inconsciente”, diz Baviera.
TRATAMENTOS-O tratamento para a ansiedade pré-sono, bem como para quadros de ansiedade e insônia, pode se feito pela psicoterapia e pela farmacoterapia. Araújo destaca a ação dos ansiolíticos, mas alerta que devem ser consumidos por um tempo limitado e apenas com prescrição médica: “O ideal é que não sejam aplicados por um período muito longo de tempo, especialmente pelo risco de dependência. O maior problema é que a pessoa pode passar a precisar de doses cada vez maiores do mesmo remédio e, quando se tenta tirar o remédio, se tem uma piora da qualidade do sono”. O cuidado quanto a essas questões é fundamental, mas não se deve recusar o tratamento psiquiátrico pelo medo da dependência. Araújo reitera que existe uma gama de medicamentos que não geram dependência e que são os mais regularmente prescritos.
Na visão de Baviera, a psicanálise é uma saída essencial: “Quando a gente fala de um acompanhamento psicanalítico, a gente também dá atenção para as coisas que estão precisando ser ditas, essa pessoa provavelmente tem algumas coisas que ela está tendo dificuldade em dizer e que seria bom dizer para uma pessoa apropriada”.
Outras formas de atenuar os episódios de ansiedade noturna podem ser feitas no dia a dia, evitando alguns excessos e mudando alguns hábitos: manter uma rotina constante de sono, fazer atividades físicas regularmente até três horas antes do horário de dormir, deitar-se apenas quando sentir sono e evitar cafeína, álcool e tabaco durante a noite.
Jornal da USP Foto Agencia Brasil
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