A escolha dos ministros para cuidar dos assuntos ligados à produção agrícola e de proteína animal pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é apenas o passo inicial de um logo processo de "desbolsonarização" de um setor que, hoje, responde pela maior parte do fluxo de comércio do Brasil com o restante do mundo. O nome do futuro ministro da Agricultura e Pecuária é aguardado com ansiedade pelos empresários, mas o grupo da transição que cuidou do assunto já traçou o perfil de quem deve ocupar a pasta: alguém capaz de reunir apoio no Congresso, ter ligações profundas com o agronegócio e ter disposição para pacificar o campo.
Cotado para assumir o cargo, o produtor rural e deputado federal Neri Geller (PP-MT) — que ocupou o Ministério da Agricultura, em 2014, com a presidente Dilma Rousseff —, aposta que o governo Lula vencerá as resistências, mas aponta a causa da radicalização e antipatia com o presidente eleito: questões laterais tomaram o lugar daquelas que realmente deveriam ter precedência para o agroempresário.
"O ranço ideológico veio da vontade excessiva de discutir armamento e questões de costumes, e tirou do setor a consciência de discutir as políticas públicas para o campo", critica.
O deputado lembra que, ao contrário do que dizem os bolsonaristas do setor, Lula conhece bem as dificuldades do agronegócio: "Em 2006, tivemos a crise da agricultura. O setor inteiro estava falido, as taxas de juros eram muito altas. (O governo Lula) precisou fazer mudanças na legislação, renegociou as dívidas de 2006 para 2007. Em 2008, com uma medida provisória, reestruturou todo o crédito agrícola, com bônus e descontos, que somaram R$ 82 bilhões. Isso foi importante para o avanço do agro, em especial no Centro-Oeste. E tudo isso com taxa de juros abaixo da linha de inflação", destaca.
Geller ressalta que nos mandatos anteriores de Lula, a bancada ruralista tinha espaço para discutir e reivindicar. "O setor estava muito presente. Foi naquele momento que nós conseguimos acertar o contencioso do algodão", salienta, referindo-se à disputa encerrada com os Estados Unidos sobre incentivos que existiam aos produtores de algodão daquele país.
PAZ AMOR E ORGÂNICOS
trabalho de convencimento do futuro governo, porém, terá de ser muito bem feito. Isso porque a resistência ao presidente eleito é feroz e, por vezes, truculenta. O Correio tentou contatar alguns diretores da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), entidade que está sendo investigada por suspeita de ter ligação com o financiamento de atos antidemocráticos realizados em setembro. Conseguiu contato com o diretor financeiro da Aprosoja-MT, Antonio Donizete Cavalaro, produtor da cidade de Lucas do Rio Verde-MT, que ao ser questionado sobre as expectativas em relação ao próximo governo, foi enfático.
"Não temos nada a falar a respeito. Ele (Lula) não nos representa. Como um ex-presidiário e corrupto vai nos representar? Ele foi bom para os grandes produtores, não para os pequenos", disse, encerrando a conversa.
Muitos empresários do agronegócio ligam o futuro governo Lula à volta das invasões de terra promovidas pelo Movimento dos Sem-terra e dos conflitos pela tomada de áreas produtivas a fim de assentar militantes. Mas, segundo outro cotado para o Ministério da Agricultura, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), o MST tem atualmente outro perfil.
"O MST está muito mais vocacionado à produção sustentável, à capacitação de seus membros, na produção de orgânicos. Muito mais focado nisso que na busca pela terra. Há, sim, um compromisso do presidente Lula de manter a reforma agrária, dar terra àqueles que têm vocação de lidar com ela", explica.
Fávaro garante que não há divergência entre os objetivos do movimento e do agro. "Todos são produtores, só diferencia o tamanho. Meu pai era um pequeno sitiante, que comprou um pedacinho de terra. Vivi as mesmas dificuldades que qualquer assentado e isso acabou me trazendo para a política", aponta.
Já o deputado Dionilso Marcon (PT-RS), dirigente do MST, disse que a prioridade do movimento, hoje, é garantir a infraestrutura aos assentados: "O acampamento não tem água, não tem estrada. Sem estrada, você não consegue juntar a gurizada para levar para escola", lamenta.
Pelas contas do movimento, cerca de 90 mil famílias ainda estão aguardando, em acampamentos, a concessão de lotes para produzir. Apesar da demanda represada, qualquer ação de ocupação ainda deve passar por novas avaliações do MST.
Correio Braziliense
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