O financiamento de ciência, tecnologia e inovação vem caindo seguidamente no Brasil há seis anos. Na contramão de países europeus, norte-americanos e asiáticos, cujos investimentos no setor variam de 2% a até mais de 5% do Produto Interno Bruto, aqui precisamos de intensa mobilização da sociedade para não descer abaixo de 1,2% do nosso PIB.
No último mês de julho, colunistas cederam espaços na imprensa para a campanha #ciêncianaseleições. Como pró-reitores das universidades estaduais paulistas, responsáveis por apreciável fração da pesquisa científica nacional, nos vemos agora obrigados a denunciar mais uma iniciativa do governo federal que fragiliza o setor e pode comprometer nosso futuro.
Em 29 de agosto, o presidente da República, juntamente com seus ministros da Economia e de Ciência, Tecnologia e Inovações, editou a medida provisória 1.136/2022, promovendo cortes de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com perdas estimadas em R$ 2 bilhões neste ano e limitando despesas no setor até 2026.
O FNDCT foi criado ainda em 1969, e reativado no início deste milênio, como uma política de Estado para garantir estabilidade nos investimentos em pesquisas e inovações que permitam planejamento e competitividade ao Brasil na economia do conhecimento. Trata-se de um fundo de natureza contábil e financeira, composto com fundos setoriais voltados ao atendimento de áreas estratégicas, abastecido por receitas vinculadas, que garantem a arrecadação de recursos.
O orçamento, aprovado por um comitê gestor, divide-se em recursos reembolsáveis e não reembolsáveis. A primeira modalidade, usualmente limitada a 15% do orçamento, é um empréstimo, com juros muitas vezes considerados pouco atrativos. A segunda modalidade, destinada a universidades, instituições de pesquisa e empresas, é uma subvenção a pesquisa e desenvolvimento. No orçamento de 2022, metade dos pouco mais de R$ 9 bilhões do FNDCT foi reservada a recursos reembolsáveis, que dificilmente serão utilizados. O teto imposto pela MP 1.136 é de apenas R$ 5,555 bilhões neste ano.
Ao longo dos últimos anos, para cumprir metas fiscais, houve sucessivos contingenciamentos de verbas do FNDCT, impedindo os necessários investimentos em ciência e tecnologia. Apesar do orçamento do FNDCT ter crescido em todos os anos, a reserva de contingenciamento aumentou mais, reduzindo os recursos disponíveis de aproximadamente R$ 1,6 bilhão em 2017, em valores atualizados, para menos de R$ 600 milhões em 2021. Isso motivou a aprovação da lei complementar 177/2021, com um dispositivo que veda contingenciamentos ou limitações de verbas do FNDCT.
O veto do governo a esse dispositivo foi derrubado no Congresso Nacional em 17 de março de 2021. Neste ano, o Ministério da Economia exercitou sua capacidade criativa e licença poética para buscar um bloqueio de R$ 2,5 bilhões, com o objetivo de burlar a regra. A MP 1.136/2022 constitui nova tentativa de violar a independência entre os Poderes, descumprindo a vontade da sociedade expressa por decisões soberanas do Congresso.
Em outubro de 2018, o ainda candidato à Presidência disse que pretendia elevar os investimentos em ciência e tecnologia a 3% do PIB em quatro anos; em abril de 2019, antes mesmo de completar 100 dias de mandato, o governo contingenciava recursos do setor. Nesta Folha, cientistas alertavam, em lúgubre premonição, que isso poderia afetar duramente “áreas importantes, como o enfrentamento de epidemias emergentes (…)” (“Corte orçamentário de 42% em ciência e tecnologia preocupa entidades”, 3/4/19).
No filme “Casablanca”, após testemunhar o assassinato do oficial nazista, o chefe de polícia decreta: “Prendam os suspeitos habituais!”. Ao longo deste governo, a cada vez que buscavam sinalizar austeridade fiscal, a ciência foi um “suspeito habitual”. Basta de tentativas de exterminar a ciência em nosso país, basta de “ciencídio”!
(Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo, editoria Tendências / Por Edson Cocchieri Botelho, pró-reitor de Pesquisa da Unesp; João Marcos T. Romano, pró-reitor de Pesquisa da Unicamp; e Paulo Alberto Nussenzveig, pró-reitor de Pesquisa e Inovação da USP
Espaço Leitor
0 comentários