A fome, o desemprego, a vulnerabilidade sanitária e a precarização da moradia são problemas enfrentados por parte das/dos brasileiras/os há tempos.
Nos últimos dois anos, em consequência da pandemia de Covid-19, associada à péssima gestão governamental diante da crise que assolou todo o mundo, agravaram antigos problemas.
A exemplo disso, a pesquisa Vigisan, através do Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, divulgada em 8 de junho deste ano, identificou que 33,1 milhões de pessoas vivem uma situação de insegurança alimentar grave no país.
Na primeira edição da pesquisa, realizada em 2020, o número de pessoas com fome no Brasil era de 19 milhões. O que já era gravíssimo ficou muito pior em menos de dois anos.
A insegurança alimentar se caracteriza pela falta ou insuficiência de alimentos, ou ainda a incerteza se a pessoa conseguirá ter acesso à alimentação em quantidade e qualidade satisfatórias. Abrindo o espectro da situação, as pessoas que convivem com a preocupação de não ter o que comer no futuro ou que já passam fome, corresponde a 58,7% da população brasileira. São cerca de 125,2 milhões de vidas sob o risco da fome em algum grau. E o problema é mais presente nas famílias do campo (60%); nos domicílios comandados por pessoas pretas e pardas (65%) e nas famílias chefiadas por mulheres (63%).
Outro agravante é a insegurança hídrica, onde 42% das casas que convivem com problemas de abastecimento de água apontaram, concomitantemente, a situação da fome. Já nos casos mais graves de insegurança alimentar (33,1 milhões), as regiões mais afetadas são o Norte (71,6%) e o Nordeste (68%). Porém, de acordo com a pesquisa, é o Nordeste que lidera o ranking das regiões do Brasil que vivem com a situação severa da fome: são 12,12 milhões de pessoas sem acesso digno à alimentação.
Diante desse cenário alarmante e da ineficiência do Estado em mitigar os avanços da vulnerabilidade socioeconômica que afeta o país é que surgem iniciativas populares de solidariedade. Pensado para amenizar os impactos da fome, agravada no contexto da pandemia da Covid-19, foi criado há dois anos, em Petrolina, o projeto Mãos Solidárias, que realiza ações de assistência voltadas, prioritariamente, às famílias chefiadas por mulheres, em condições de moradia precárias, que vivem em ocupações urbanas, sobretudo nas regiões periféricas do município.
O projeto, que já acontecia em algumas cidades do estado de Pernambuco, toma posto na cidade sertaneja, a fim de atender às demandas básicas da população dos bairros mais carentes, através da identificação de famílias em risco de fome, principalmente compostas por crianças, idosos e gestantes.
O que começou em 2020 com a arrecadação e preparação de alimentos e a distribuição de marmitas, hoje ultrapassa as ações de emergência e se faz mais presente na vida das pessoas assessoradas, com a promoção de atendimento psicoemocional a mulheres. Quem abriu as portas da própria casa para a realização do projeto foi a educadora popular Jucy Carvalho. Ela explica que “ao longo dos processos, de encontro com as famílias, de diálogo, de escuta [...] vai identificando mulheres, em especial, com um nível muito alto de ansiedade, de depressão, e aí o Mãos Solidárias dá início a uma outra frente que é o atendimento psicoemocional e mobiliza profissionais da área da saúde, da psicologia e passa a atender as mulheres que se queixam desse outro tipo de insegurança.”
Pensando na emancipação das mulheres cadastradas no projeto, o Mãos Solidárias, desde o ano passado, tem investido mais em formações profissionalizantes na área da culinária, a fim de possibilitar a geração de renda das famílias. Adriana Nascimento, colaboradora do Irpaa, realizou uma oficina de produção de alimentos a partir de frutas e nos conta que “lá vem acontecendo semanalmente diversas atividades, teóricas e práticas e muitas delas voltadas para essa parte de beneficiamento, de produção de algum tipo de alimento, para posterior comercialização. Então, tanto as mulheres que estão lá fazendo parte do processo, geralmente uma média de 15 a 20 mulheres, elas aprendem a fazer novas coisas, para fazer em casa, para se alimentar, para alimentar a família, como também para posteriormente estar gerando renda.” Tais formações tentam driblar a ausência de oportunidades de emprego, que muitas vezes atinge as pessoas que vivem nas regiões mais precárias da cidade.
O diferencial é que a iniciativa se estende a diversas dimensões da vulnerabilidade social. Desse modo, é pensada para as crianças a criação de uma biblioteca, com o objetivo de melhorar o acesso à leitura. Jucy avalia que, assim, “as crianças começam a ter acesso a livros e gibis e passam a ir com mais frequência para o espaço”, com a realização de rodas de leitura e de recreação. No projeto, a criançada tem acessado também os serviços do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano - IF Sertão, campus Petrolina, através de cursos como robótica, música e esportes “e, dessa forma, o Mãos Solidárias vem fortalecendo a rede de parceiros, para contribuir na formação científica, na pesquisa, na ampliação do conhecimento musical e cultural de forma mais abrangente”, acrescenta Jucy.
A organização tem como meta a construção de uma cozinha escola, a fim de intensificar e expandir as formações na área da culinária, tendo como facilitadoras as próprias mulheres que já passaram pelo processo formativo no projeto. Para Jucy, o desejo do Mãos Solidárias “é que elas passem a formar outras companheiras, outras mulheres e assim a gente vai criando uma rede também de mulheres vigilantes, de mulheres cuidadosas, no sentido de estarem atentas às necessidades umas das outras” e acrescenta que “espera que o Mãos Solidárias se constitua como um projeto que olha para a fome e o alimento, mas que olhe também para outras dimensões da vida.”
Você pode acompanhar as ações do Mãos Solidárias através do perfil da organização no Instagram @maossolidariaspetrolina. A iniciativa recebe doações que podem ser deixadas na sede do projeto, situada à rua Arlindo Rufino, nº 900, bairro João de Deus, em frente ao IF Sertão Petrolina, ou pode ser solicitada a retirada na casa do doador ou doadora. Além disso, também recebe contribuições através do PIX 10542814/0001-01.
Texto: Glícia Lopes, estagiária do Eixo Educação e Comunicação do Irpaa
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