A doença de Chagas é centenária, tem tratamento eficaz na fase aguda, mas continua a fazer vítimas, principalmente em regiões de extrema pobreza.
Só o Brasil registrou, entre 2010 e 2020, quase 3 mil novos casos. Para especialistas, trata-se de uma doença negligenciada pelos órgãos de saúde, que exige esforços de ações básicas para o seu controle.
Como grande porcentual das pessoas infectadas nem sabem que estão doentes, é preciso dar ênfase ao diagnóstico e iniciar o tratamento para “evitar as complicações terríveis da doença na fase crônica”, afirma José Antônio Marin Neto, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP.
Campanhas para contornar o problema vêm sendo realizadas, conta o professor, principalmente para a conscientização quanto ao diagnóstico e instituição do tratamento. Mesmo assim, “menos de 10% dos que têm a doença possuem diagnóstico concluído e menos de 1% acaba efetivamente recebendo o tratamento em vida”, informa.
Segundo Marin, as campanhas ajudaram a reduzir a transmissão pela transfusão de sangue, pela doação de órgãos para transplante e também da que depende da picada do inseto transmissor do protozoário (Trypanosoma cruzi), o barbeiro. Também diminuíram a transmissão vertical, de mãe contaminada para o bebê, que hoje está em apenas 5%, “o que significa que pode haver controle”, diz o professor.
Além das campanhas, Marin cita a iniciativa do projeto Comunidades Unidas para Inovação, Desenvolvimento e Atenção para a doença de Chagas (Cuida Chagas), consórcio internacional integrado pelo Brasil, Paraguai, Bolívia e Colômbia, financiado, entre outros, pelo Ministério da Saúde brasileiro e que objetiva erradicar a transmissão congênita na América Latina.
O problema é ser uma doença negligenciada, para a qual “não existe um atendimento muito característico por parte dos órgãos que deveriam proteger a saúde populacional”, além do que “tende a acometer populações carentes, desprovidas de maiores recursos socioeconômicos”, arremata o professor.
Outra questão, o desmatamento de florestas, tem colocado o inseto transmissor mais próximo das comunidades humanas, facilitando a transmissão nesses locais, até mesmo com contaminação oral. Marin cita os casos em que a preparação inadequada de alimentos deu origem a formas até mais agressivas de Chagas.
Endêmica em 21 países da região das Américas, a doença de Chagas atinge cerca de 6 a 7 milhões de pessoas, em todo o mundo. É predominante na América Latina, mas chegou até a Europa, Ásia, Oceania e América do Norte devido à imigração. No Brasil, dos 2.777 casos agudos, registrados entre 2010 e 2020, a maior parte ocorreu na região Norte; foram 1.996 só no Estado do Pará.
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) estima que cerca de 70 milhões de pessoas na América Latina vivam em áreas propensas à contaminação pela doença, que em geral são caracterizadas pela extrema pobreza, e que 70% dos infectados não saibam que estão doentes. Apesar disso, quando diagnosticada na fase inicial e aguda, tem tratamento quase 100% eficaz.
“A doença tem duas fases, uma fase inicial, que é claramente infecciosa, e a outra que nós chamamos crônica. Durante essa segunda fase é que se instalam as lesões mais agressivas”, conta Marin. Essas fases são consideradas para o controle da doença, realizado em três níveis diferentes. O primeiro, com a prevenção, quando o indivíduo ainda não foi contaminado, é realizado a partir de triagens na doação de sangue e de órgãos para transplantes e também na higiene correta de alimentos potencialmente contaminados pelo inseto barbeiro.
O segundo nível, explica Marin, se concentra na ação em indivíduos já contaminados, evitando que sigam para a fase crônica; esse controle é feito com medicações que reduzem a carga parasitária do organismo (sangue e tecidos) e, consequentemente, a chance de complicações. O tratamento é 100% eficaz e feito com drogas existentes há pelo menos 40 anos, o nifurtimox e o benznidazol, afirma o professor. Já para os casos em que a doença se encontra instalada nos órgãos, o tratamento é realizado para atenuar as complicações.
Jornal da USP Foto Ilustrativa
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