Violência e assédio são as principais preocupações de brasileiras, segundo pesquisa encomendada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), durante a qual foram ouvidas 3 mil mulheres nas cinco regiões do País. Apesar de 56% das entrevistadas afirmarem que a questão da igualdade de gênero no Brasil melhorou, a violência e o assédio (40%), seguidos do feminicídio (26%) e da desigualdade de direitos e oportunidades, são os principais pontos negativos.
Um terço (31%) indica o machismo como principal causa para o País ocupar a quinta posição em mortes violentas de mulheres – a percepção é maior entre mulheres negras. Em entrevista ao Jornal da USP no Ar 1ª Edição, Luz Gonçalves Brito, doutora em Antropologia, pós-doutoranda no Núcleo de Estudos da Violência (NEV) e na Escola de Comunicações e Artes da USP, pesquisadora do Projeto de Observatório de Direitos Humanos em Escolas (PODHE), avalia o estudo.
Luz conta que essa pesquisa reflete as percepções de mulheres aplicando diferentes marcadores sociais, tais como a raça, a classe, a cor e o acesso ao conhecimento. “Uma experiência de uma mulher que utiliza veículo independente é diferente de uma mulher que só tem acesso ao transporte público. Por exemplo, há vários relatos de homens se masturbando no Metrô de São Paulo. Esses marcadores sociais se interseccionam e influenciam as experiências das mulheres, criando um processo de desigualdade de gênero diferente para cada uma dessas mulheres. É de suma importância que essas experiências sejam examinadas”, explica a pesquisadora.
Em relação ao processo histórico, o Brasil é um país extremamente machista e tem em seu fundamento estruturante enquanto nação, desde as capitanias hereditárias, uma forte vinculação de uma dominação masculina, conforme expõe Luz. Ela conta que, quando a sociedade europeia mudou do sistema do feudalismo para o capitalismo, os saberes e as experiências das mulheres foram inferiorizados, apagados e inviabilizados para constituir essa ordem capitalista. O capitalismo tardio de hoje é a exacerbação histórica de quase 400 anos de uma estrutura sócio-política-econômica que vulnerabiliza as mulheres.
“Eu me preocupo com a saúde mental das mulheres, principalmente com a pandemia”, afirma Luz. Uma sociedade de estrutura capitalista, que desprivilegia mulheres com a diferença de salário com a mesma função do homem e, entre outros tipos de violência, gera problemas de saúde mental. Segundo o relatório do Fórum Econômico Mundial de março de 2021, o processo da recessão feminina ficou mais acentuado durante a pandemia: no mesmo período de tempo (até abril do mesmo ano), enquanto 5% das mulheres ficaram desempregadas, a taxa da população masculina atingida pelo mesmo problema foi de 3,9%. A pandemia fez aumentar em uma geração a dificuldade de se estabelecer, em termos globais, a igualdade de gênero.
Embora haja esse cenário pessimista, de acordo com a especialista, ainda se veem mulheres ocupando espaços de poder que ainda privilegiam homens. Por exemplo, muitas questões sexuais e reprodutivas ainda são decididas pelos homens. “O acesso ao trabalho digno e os movimentos sociais de mulheres são fundamentais para mulheres terem experiências mais dignas”, destaca Luz.
Jornal da USP
0 comentários