Há dois anos, a terrível primeira onda da pandemia de Covid-19 atingiu os EUA com uma intensidade sem precedentes. A profundidade do terror pode ser difícil de recordar e, graças aos avanços no diagnóstico, tratamento e vacinação, é pouco provável que se repita.
Para os cientistas, no entanto, é crucial revisitar os tempos sombrios e repensar o que aconteceu examinando os dados quase infinitos coletados para tentar entender melhor tanto os efeitos imediatos quanto os de longo prazo que a doença tem sobre o corpo.
Por exemplo, uma parte importante dos dados veio de laudos de autópsias que demonstraram como o vírus afeta vários órgãos no corpo.
Como muitas mortes ocorreram por causa de insuficiência respiratória, muitos colegas médicos com quem falei esperavam encontrar como causa a pneumonia progressiva com destruição pulmonar. No entanto, pesquisadores descobriram algo totalmente diferente: coágulos sanguíneos nos pulmões (também chamados de embolia pulmonar). Além disso, encontraram incontáveis coágulos menores adicionais em muitos outros órgãos. Em tempo: os especialistas distinguem entre coágulo e trombo e embolia, mas para simplificar, vamos chamar todos de coágulos.
Os resultados são especiais no momento atual, após um artigo importante ser publicado na revista “Nature Medicine”. Pesquisadores usaram as vastas bases de dados do Departamento dos Veteranos dos EUA (VA) para examinar mais de 150 mil pessoas que sobreviveram às infeções de Covid-19 e as compararam com milhões de pessoas na base de dados do VA com idade, sexo e outras caraterísticas semelhantes, mas que não desenvolveram Covid-19.
É importante notar que eles olharam para a saúde geral não apenas no rescaldo imediato da infecção, mas um ano inteiro após a Covid-19. Os pesquisadores estimaram o prazo “pós-Ano Covid” entre aqueles que não estavam efetivamente infectados. Os investigadores incluíram sobreviventes de Covid-19 que nunca foram hospitalizados (131.612 pessoas), além daqueles que se recuperaram após permanecer na unidade de terapia intensiva (5.388 pessoas) ou enfermaria hospitalar (16.760 pessoas).
Os resultados são claros e muito significativos: comparado com pessoas similares que não tinham sido infetadas pelo SARS-COV-2, aqueles que se recuperaram da infecção tinham muitos mais coágulos sanguíneos, problemas cardíacos e episódios de acidente vascular cerebral. A extensão das diferenças entre as 20 diferentes doenças cardiovasculares está entre as maiores de qualquer estudo clínico que li. É impressionante.
O estudo está nos dizendo algo que nós não queremos ouvir, mas que é fundamental por muitas razões. Primeiro, os dados ajudarão aqueles que tentam entender a Covid longa. Segundo, pode ajudar diretamente decisões de prevenção e tratamento para pessoas com Covid-19 ativa, bem como aquelas que sobreviveram à doença. Finalmente, provavelmente contribuirá para uma melhor compreensão da dança muito complicada de coagulação e anticoagulação que se passa diariamente em cada um dos nossos corpos.
O estudo do VA tem limitações importantes. Envolve pessoas infectadas em 2020 que viveram pelo menos um ano após a infeção; essas pessoas provavelmente tiveram a cepa inicial “selvagem” da SARS-COV-2 ou talvez a variante Alpha, que dominou no final de 2020. Não se passou tempo suficiente para saber se disfunções similares de longo prazo dos vasos sanguíneos e do coração também ocorrerão entre sobreviventes de infeções variantes Delta ou Ômicron. Além disso, o estudo não pode prever os impactos da Covid-19 na saúde dois, três e dez anos após a recuperação.
Na verdade, esta última questão pode ser a mais premente. Ninguém sabe quanto tempo as anormalidades cardiovasculares persistirão ou se serão totalmente resolvidas. Aconselhar o imenso grupo dos recuperados de Covid-19 que podem ter problemas de saúde frequentes é complicado. Todos devem ir ao cardiologista? A um especialista em coagulação sanguínea? A gestão a longo prazo da Covid-19 será uma nova subespecialidade semelhante à emergência dos tempos mais intensos de AIDS?
É completamente incerto o que vem a seguir, mas o fato de quase 80 milhões de americanos ter sido infectado torna um plano coeso para os seus cuidados de saúde uma necessidade. Os especialistas elaborarão diretrizes básicas para ajudar os pacientes a conhecerem o melhor caminho a seguir. No entanto, mais uma vez comparando com o campo da medicina da AIDS, muito será feito por tentativa e erro, uma vez que algumas pessoas serão acompanhadas intensamente e outras não. Com o tempo, provavelmente emergirá uma abordagem sensível nova e simples do tipo “se isto, então o quê?”.
Esse tipo de informação pode ser poderoso para convencer as pessoas ainda não dispostas a receber a vacina contra a Covid-19 ou a dose de reforço, fornecendo verdades simples e horríveis sobre o pós-doença.
Até agora, as pessoas hesitantes não foram influenciadas por fatos e números. A nova fonte de fatos, porém, pode ser diferente (há sempre uma esperança, afinal). Subestimar a pandemia e tantas mortes foram ações terrivelmente trágicas. No entanto, para os pacientes e famílias que conseguiram ficar livres da Covid nos últimos dois anos, o medo da doença e o desejo urgente de se proteger podem ter sido diluídos pelo tempo e os sintomas relativamente leves amplamente relatados da última variante.
Mas, agora, com um risco elevado da doença cardíaca, enfarte e formação de coágulos sanguíneos como um possível efeito a longo prazo de Covid-19 (condições que podem ser crônicas e lentamente debilitantes) talvez os investigadores do VA farão algo que quase um milhão mortes americanas não tenham conseguido: assustar uma larga faixa dois antivacinas o suficiente para fazê-los arregaçar as mangas.
Fonte: CNN Brasil
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