Mulheres negras morrem mais de covid-19 do que todos os outros grupos (mulheres brancas, homens brancos e negros) na base do mercado de trabalho, independentemente da ocupação, aponta pesquisa realizada pela Rede de Pesquisa Solidária e descrita em nota técnica lançada no último dia 20 de setembro.
De acordo com o estudo, homens negros morrem mais por covid-19 do que homens brancos independentemente da ocupação, tanto no topo quanto na base do mercado de trabalho, enquanto mulheres brancas morrem menos por covid-19 que homens brancos nas profissões superiores, mas morrem mais nas ocupações da base do mercado de trabalho.
Segundo a nota técnica, analisar o número absoluto de mortes dos trabalhadores não reflete de maneira adequada os riscos de morte pela covid-19 dentro das ocupações. Embora os trabalhadores agrícolas, autônomos do comércio e trabalhadores dos transportes sejam os que apresentaram o maior volume absoluto de mortes, o cenário é diferente quando se observa a proporção dentre o total de mortes. Líderes religiosos, trabalhadores da segurança, da saúde e das artes e cultura são os profissionais que apresentaram as maiores taxas relativas de mortes por covid-19 em 2020.
A proposta da pesquisa é examinar as mortes por covid-19 para diferentes categorias de trabalhadores, assumindo que mortes pela doença são evitáveis. O boletim analisa as mortes por covid-19 em 2020 no Brasil a partir das ocupações exercidas pelos trabalhadores e de sexo e raça/cor atribuídas à pessoa que morreu. O principal objetivo é observar quais ocupações apresentam o maior volume de mortes pela covid-19 no ano de 2020, quais são as ocupações que apresentam a maior proporção de mortes pela doença em relação ao total de mortes registradas em 2020 e como as chances de morte pela covid-19 expressam as desigualdades de gênero, raça e cor dentro das ocupações.
MORTALIDADE: Os dados utilizados no estudo são oriundos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, para o ano de 2020. No total, registram 1.560.088 mortes, sendo 206.646 (13,2%) pela covid-19. Do total de mortos, consideramos aqueles com ocupação reportada, para pessoas entre 18 e 65 anos, que somam 67.536 casos (32,7% do total de mortes pela covid-19). A análise se deu em duas etapas. Em primeiro lugar, observou-se o volume total de mortes por covid-19, conjugado com a participação relativa em total ao número de mortes por ocupações. Em quais ocupações se morre mais por covid-19 em números absolutos? Em quais ocupações se morre mais por covid-19 – as mortes evitáveis – em relação ao total de mortes?
Num segundo momento, regressões logísticas binárias estimaram as razões de chance de morte por covid-19 segundo raça/cor e sexo. Os modelos foram estimados para cada um dos grupos ocupacionais e a variável idade foi incluída de modo a controlar a propensão às mortes em virtude de características associadas ao ciclo de vida, incluindo comorbidades. Ao final foi estimado um modelo para cada grupo ocupacional (77 no total). Os grupos ocupacionais foram construídos a partir da agregação das famílias ocupacionais da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
RECOMENDAÇÕES: Os autores da nota apontam que, mesmo depois de vacinados, manter os ambientes ventilados e o uso de máscaras N95/PFF2 como barreira na propagação de gotículas respiratórias é procedimento efetivo para prevenir a transmissão do vírus sars-cov-2 e, portanto, garantir o controle da pandemia, como insistentemente recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). As vacinas protegem do adoecimento grave e evitam as mortes, nem sempre da infecção e transmissão do vírus. Os governos e as empresas devem investir na aquisição e distribuição de máscaras de maior qualidade, priorizando as categorias de trabalhadoras mais expostas.
De acordo com os pesquisadores, como a pandemia de HIV ensinou, e a resposta brasileira a ela exemplificou para o mundo, iniciativas de educação e prevenção nos ambientes de trabalho têm enorme impacto na vida das pessoas e no controle da pandemia. No caso dos modos de transmissão da covid-19, a prevenção no ambiente de trabalho tem relevância ainda maior: pode garantir um ambiente de trabalho livre de transmissão e infecção, e que surtos de infecção no ambiente de trabalho se espalhem ou cheguem às famílias dos trabalhadores. Os sindicatos e organizações de trabalhadores sempre foram atores muito relevantes para a garantia do direito constitucional à saúde – da prevenção ao tratamento. Podem descrever a dinâmica de infecção nos diferentes ambientes de trabalho e categorias, levantar dados locais e setoriais de adoecimento e morte por covid-19.
A nota conclui que a pandemia de covid-19 descortinou globalmente as desigualdades raciais e de gênero no risco de morte. Este estudo indica a relevância de se estudar e enfrentar a dinâmica dessa desigualdade para certas profissões. Ao priorizar campanhas de prevenção naqueles ambientes de trabalho que produzem maior exposição à covid-19, ao estimular educação em saúde e prevenção, distribuir máscaras PFF2 ou N95 e ensinar seu uso correto, ao insistir na ventilação e no necessário distanciamento físico nos locais de trabalho, deve-se lembrar que a maior exposição ao risco tem cor e gênero.
A Rede de Pesquisa Solidária conta com pesquisadores das Humanidades, das Exatas e Biológicas, no Brasil e em outros países. São mais de 100 pesquisadores mobilizados para aperfeiçoar a qualidade das políticas públicas do governo federal e dos governos estaduais e municipais, que procuram atuar em meio à crise da covid-19 para salvar vidas.
Os pesquisadores realizam um levantamento rigoroso de dados, para gerar informação criteriosa, criar indicadores e elaborar modelos e análises para acompanhar e identificar caminhos para as políticas públicas e examinar as respostas que a população oferece. A equipe responsável pela elaboração da nota técnica contou com os pesquisadores Ian Prates (Cebrap & Social Accountability International); Marcia Lima (USP e Afro/Cebrap); Wesley Matheus Oliveira (UFMG & ODS/Sedese-MG); Evandro Luiz Alves (UFMG & ODS/Sedese-MG); Alexandre Nogueira (UFMG & ODS/Sedese-MG) e Maria Luiza Duarte (UFMG & SEDU-ES).
Jornal da USP
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