Gigante da cultura nordestina com reconhecimento nacional, Luiz Gonzaga nos lança o desafio de conhecermos, além da grandeza do seu trabalho musical - com 600 e tantas músicas gravadas versando sobre inúmeros temas – o perfil do artista e do sertanejo.
Quando assisto imagens de shows e entrevistas dele, desde sempre me lanço na proposta de conhecer mais o sertanejo e o artista. É muito interessante.
Fico imaginando o olhar do artista em cima do palco, sobre os conterrâneos dele, gente sofrida e guerreira na labuta desafiadora do sertão. Na minha infância, em algumas viagens nas estradas pernambucanas rumo ao sertão, eram comuns paisagens de secas, animais mortos na beira das estradas, jumentos perambulando nas rodovias, pessoas mendigando um auxílio e outros personagens que compunham o sertão daquela época. Envolvidos num clima de seca, fome, pobreza e miséria, aos olhos de qualquer pessoa aquele era um retrato da tragédia humana, apenas isso.
Mas aí nasceu um encontro entre a sensibilidade dos nossos poetas e a originalidade musical do filho de Santana e Januário, Luiz Gonzaga.
Na beleza entre a poesia e a música, _O Jumento é Nosso Irmão, Asa Branca, Sabiá, Acauã e Assum Preto, O Chofer de Praça, A Feira de Caruaru, A Morte do Vaqueiro, A Festa do Milho, A Triste Partida e a Volta da Asa Branca, Padre Cícero, Lampião e Frei Damião_ ...a nação nordestina descrita em centenas de músicas.
Para mim, existem 2 Gonzagas: no palco, paramentado de chapéu do couro, gibão e sanfona de 120 baixos (é muito baixo seu Luiz!) estava o gigante da música, transitando entre acordes, melodias e poesias, versejando e apresentando o nordeste para a gente brasileira.
Terminada a apresentação, luzes apagadas, palco vazio, portas fechadas, público recolhido, entrava em cena outro Luiz Gonzaga: despido da armadura artística, ele assumia a identidade que valorizou durante a sua vida, de sertanejo de Exu, ou melhor do Araripe e Baixio dos Doidos, que montava no cavalo, aboiava (foi ele quem levou aboio para o palco) tocava sanfona, apreciava a paisagem, ia para as feiras, comprava farinha, rapadura, fava, feijão de corda, carne de charque e outros produtos, parava na bodega do seu Zé para um dedo de prosa e a noitinha voltava para casa, pelas curvas da estrada de chão batido. Lembrei da música _Estrada de Canindé_ e a sua beleza poética!
A noitinha, podia degustar o milho assado, a pamonha, o cuscuz no fogão de lenha, o café torrado no pilão, o ponteio de uma viola e uns acordes de sanfona sob _O Luar do Sertão_ , outro clássico musical. Seu estilo de vida expresso na frase: _dormir ao som do chocalho e acordar com a passarada / sem rádio e sem notícias da terra civilizada!_ (Verso de Zé Dantas_Riacho do Navio_ ).
Algumas vezes o sertanejo e o artista eram a mesma pessoa, e por vezes um se sobressaia ao outro, quando, fora do convívio e glamour dos palcos, entrava em cena o matuto ajudando o seu irmão desconhecido, fosse doando sanfonas, cestas básicas, cachês...tudo para amenizar o sofrimento de todos que o procuravam. Se o agricultor pedia uma enxada para cuidar da roça, o artista iniciante pedia uma oportunidade para tocar um música na rádio...seu Luiz emprestava o prestígio e fazia acontecer. Fernando Mendes fez um depoimento sobre isso, ocorrido com ele. E muitos outros foram beneficiados de modo similar!
Temos muito mais o que falar, mas ficam como temas para outros momentos. É assim Luiz Gonzaga: um homem que vale por dois, por dez, por um milhão! 32 anos de saudades, de quem se eterniza a cada dia mais na cultura brasileira e no coração da nossa gente.
Viva Luiz Gonzaga, viva o sertão, viva a cultura brasileira e viva o Rei do Baião!
Prof. José Urbano
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