Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, o vírus SARS-CoV-2, popularmente conhecido como corona vírus, foi identificado pela primeira vez em seres humanos. O vírus se alastrou por todos os continentes e países e, em 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto como uma pandemia.
O crescimento expressivo do número de casos e mortes fez com que os países reagissem. A ação mais utilizada, considerada a que apresentava melhores resultados, foi o distanciamento social e a quarentena da população.
Neste cenário, a pergunta imediata é: qual é o impacto desse isolamento para a fruticultura irrigada do Vale do São Francisco? Vale ressaltar que esta movimenta importante região de dois estados (Pernambuco e Bahia), gerando emprego e renda no “miolão” do Semiárido, área que concentra a maior parte da pobreza rural brasileira. Existem diversos vetores para serem analisados. Contudo, neste artigo é tratada apenas a questão da demanda de frutas pelo mercado interno e externo.
O mercado interno é o mais importante e o que está sendo mais impactado. Isso ocorre porque apenas cerca de 15% da manga e 10% da uva que o Vale produz é exportada. A maior parte do que se produz é vendida para a região Sudeste, mais especificamente para o CEAGESP. Assim, a análise se concentra nas informações obtidas junto aos atacadistas desta Central de Abastecimento.
A percepção é que houve um primeiro momento em que a demanda cresceu muito. Logo no início da quarentena, as famílias se abasteceram de alimentos, pois não sabiam quanto tempo iriam demorar a voltar aos supermercados. Depois deste “boom” inicial, a demanda apresentou redução, inclusive com dificuldade de produtores em encontrar compradores para as frutas e alguns cancelamentos de pedidos. Contudo, este período foi curto e se voltou para um “equilíbrio”.
Este novo “equilíbrio”, porém, não é igual aos anteriores, uma vez que houve mudança nos hábitos de consumo. As pessoas, devido à quarentena, passaram a ir menos aos supermercados e, ao irem, passaram a comprar maiores quantidades. A demanda semanal, relativamente estável e com sazonalidade conhecida, passou a apresentar grande alternância com períodos de bastante demanda seguido de semana com baixa demanda. Assim, está mais difícil fazer planejamento de quanto precisa ser a oferta de fruta para atender a demanda da semana. Existem casos de que a oferta é superior à demanda, fazendo com que seja necessário reduzir preços, fazer promoções para poder vender a fruta, e tem-se semanas em que a oferta é insuficiente e os preços sobem. É bastante complexo fazer planejamento em períodos com tantas incertezas e riscos. No geral, todos estão “vivendo um dia por vez”. Talvez essa seja uma das frases mais escutadas no momento. Na média mensal, entretanto, as vendas não diferem muito de períodos anteriores à quarentena.
Quanto à venda de caixas, embalagens, cumbucas, ainda não se conseguiu perceber o efeito do avanço do vírus em seu ramo de atuação. Este setor é um importante “termômetro” da situação. Quando cai a demanda desses itens é sinal de arrefecimento da procura por frutas. Por enquanto, a única certeza é a elevação dos custos, pois muitos destes insumos são importados e o câmbio desfavorece as importações.
Então, a boa notícia é que, no momento, existe demanda por frutas, as pessoas continuam consumindo por saber da importância de comer alimentos saudáveis e por ainda ter renda suficiente para fazer as compras.
Por quanto tempo isto deve se manter? É uma previsão que não se consegue fazer. A única certeza é que é inversamente proporcional ao tempo em que se permanecer neste período de calamidade. A cada dia, a crise de saúde pública afeta a economia e o social, pois são vertentes que estão totalmente conectadas.
E em relação ao mercado externo? Este não é um período em que o Brasil esteja forte nas exportações. A fruticultura do Vale foi ajudada nesta parte. O mercado estava abastecido pelas frutas peruanas até recentemente. Agora, outros países já começam seus embarques e, em situação de ausência de quebra de produção nos países concorrentes, como agora em 2020, o Brasil fica sem janela. A qualidade das frutas brasileiras também não está a ideal, pois houve muita chuva na região do Vale do São Francisco nos primeiros meses do ano, o que fez aumentar os problemas fitossanitários e de produtividade.
Verificou-se que, para aqueles produtores com contratos junto às empresas no exterior, os envios, inclusive, aumentaram no início da crise. De forma semelhante ao caso brasileiro, na Europa os consumidores também buscaram comprar mais alimentos do que o habitual e isso fez a demanda aumentar. Depois da segunda semana de março, com a Itália fechando as fronteiras, e com o crescimento de casos na Espanha, também ocorreu o travamento maior do mercado. Na segunda semana de abril, esse cenário já voltou a maior normalidade do mercado, de forma que a média não deve se alterar muito.
Assim, percebe-se que a dificuldade existe para quem não tem contrato e depende de mercado spot, que está fechado. As grandes redes e as frutarias e mercados de bairro tiveram aumento da demanda. O que se reduziu foram as compras dos bares, restaurantes, hotéis, escolas, mas estas foram compensadas pelo aumento das aquisições das demais redes. A logística se tornou um pouco mais complexa e mais cara. No caso do envio aéreo, então, se tornaram praticamente inviáveis pela redução dos voos e o consequente encarecimento do custo do embarque.
Dessa forma, do lado da demanda, pode-se afirmar que, até o momento, o efeito do vírus na fruticultura do Vale do São Francisco teve um impacto menos duro em comparação com outros setores da economia. Contudo, ainda não é possível avaliar como será o segundo semestre, quando aumentam os volumes na região. Estima-se que, neste momento, a crise já tenha se deslocado do foco na saúde para o foco na economia, com a retração do crescimento. O melhor a fazer, então, deve ser gerenciar os riscos e pensar em formas alternativas de minimizar prejuízos, caso o cenário fique mais desfavorável.
João Ricardo F. de Lima – Doutor em Economia Aplicada, Pesquisador da Embrapa Semiárido
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