Maciel Melo ainda era o "Neguinho de Heleno" quando vendia picolé e engraxava sapato para ajudar o pai Heleno Louro, agricultor e mestre sanfoneiro que animava festas de Iguaraci, no Sertão pernambucano, a 363 km do Recife. Trocou o Rio Pajeú pelo Rio São Francisco, em Petrolina, trabalhando em escritórios.
Aos 20, decidiu abraçar a carreira de músico, considerada "vagabundice" no interior, e rumou para a capital. Esse é o marco inicial da carreira deste caboclo sonhador, que está completando 38 anos de profissão.
Em 2013 nas comemorações dos 30 anos de cantaor Maciel Melo fez lançamento biografia, disco, DVD. Teve a música "Rainha" na trilha da novela global "Flor do Caribe" também é um presente. A canção é uma homenagem à mãe dele, Maria de Lourdes, escrita há anos, gravada apenas no disco "Sem ouro sem mágoa" (2009).
"Oh Maria Lourdes da Labuta/ Em Sumé foste doce, amarga e bela/ Paraíba foi tua passarela/ Pernambuco te trouxe a sedução/ O destino entregou tua missão/ Onze itens [filhos] a ti foi destinado/ E a lei que constitui o teu reinado/ Foi escrita com a tinta do perdão", diz a letra. Já o livro "A poeira e a estrada" é o nome da biografia, escrita pelo próprio Maciel Melo.
Maciel gosta de escrever e acha que ninguém melhor que ele pode contar o que viu, ouviu e viveu. "Eu sempre escrevia e guardava textos sobre assuntos que giravam em torno da geografia cultural e política do Pajeú, então resolvi reunir num livro. É a história do Neguinho de Heleno que saiu para o mundo para vencer, e fui floreando aqui e ali, romanceando passagens. Não tem uma ordem linear", explicou em entrevista.
Os músicos do Quinteto Violado foi quem batizou Maciel Melo como compositor, ao gravar a música "Erva doce", em 1985. A banda fazia enorme sucesso naquela época, e a canção estourou. O artista já morava no Sudeste do País. É que depois do Recife, ele mudou-se para São Paulo, onde compôs "Caboclo sonhador", em 1982. "Ela é uma espécie de carta musicada para minha família. Estava no centro financeiro do País para tentar ser artista, ninguém ia mudar minha cabeça", contou.
Mantenho viva a ‘sertanidade’ na minha obra, as tradições e costumes do povo como temas, a aridez nas canções (...) Tem gente que é alienada, se for falar de política some, mas escuta se for música. Então essa é uma maneira de chegar aos ouvidos dos desatentos"
Os primeiros versos da letra mandam exatamente esse recado: "Sou um caboclo sonhador/ Meu senhor, viu?/ Não queira mudar meu verso/ Se é assim não tem conversa/ Meu regresso para o brejo/ Diminui a minha reza". Mas a saudade de casa estava no matulão do sertanejo: "Mergulhado nos becos do meu passado/ Perdido na imensidão desse lugar/ ao lembrar-me das bravuras de Neném [irmã mais velha de Maciel]/ perguntar-me a todo instante por Baía [irmã]/ Mega e Quinha [irmãos], como vão? tá tudo bem?/ Meu canto é tanto quanto canta o sabiá".
A composição só foi descoberta dez anos depois por Flávio José, que estava no auge da carreira e a gravou. Fagner também, popularizando-a ainda mais em todo o Brasil. O cantor cearense afirmou que a canção era um divisor de águas, ao recriar o forró nordestino na década de 1990.
O diferencial de Maciel Melo é as melodias habilidosas e as temáticas novas. "Eu sempre tive preocupação grande com a poética, a qualidade dos arranjos. Em 'Caboclo sonhador', por exemplo, uso palavras que não são rotineiras no forró. A minha intenção era fazer algo que não fosse banal, que botasse as pessoas para pensar e questionar", falou.
Esse talento foi reconhecido desde cedo, quando gravou o primeiro disco, "Desafio das léguas", em 1989, já com participações luxuosas de Vital Farias, Xangai, Décio Marques e Dominguinhos e composições de Virginio Siqueira.
Na época, Maciel Melho morava em Salvador e estava envolvido com a musicalidade local. "Foi num show lá que conheci Dominguinhos e perguntei se dava para colocar a sanfona dele no meu disco, e marquei para o outro dia. Achava que ele nem ia lembrar, mas quando cheguei no estúdio ele estava lá embaixo, me esperando. Foi quando vi a grandeza dele, a genialidade, simplicidade. Dominguinhos deixou um legado enorme para nós", lembrou.
Maciel Melo faz letra e melodia. Tem centenas músicas no papel e quase 200 gravadas. Paulinho da Viola e Djavan são intérpretes ainda desejados. Na música universal, urbana, elegeu Chico Buarque como compositor favorito. Já o poeta da música para ele, é Zé Dantas, um dos grandes parceiros de Luiz Gonzaga, nascido também no Sertão do Pajeú, em Carnaíba. José de Souza Dantas Filho, o Zé Dantas neste ano de 2021 completaria 100 anos de nascimento de vivo fosse.
"A música que eu faço é a que Gonzaga gostava de cantar. Até pelo fato de eu ser discípulo dele e ter saído do Sertão com a minha personalidade formada, mantenho viva a ‘sertanidade’ na minha obra, as tradições e costumes do povo como temas, a aridez nas canções. Acho que 20% das minhas letras ele gravaria", palpita.
Iguaraci foi o berço de tudo, onde o Neguinho de Heleno ouviu os primeiros sons da sanfona do pai, das violas dos repentistas, a poesia dos cantadores. Quem chega lá vê na entrada da cidade a placa que diz "Terra de Maciel Melo".
Sabendo que sua música vai longe, Maciel não deixa de usá-las como protesto, como fez em "Pingo d'água" e "Meninos do Sertão", esta última gravada em 2000 por Zé Ramalho.
"Acho que a função da gente não é só entreter, mas denunciar, questionar. Tem gente que é alienada, se for falar de política some, mas escuta se for música. Então essa é uma maneira de chegar aos ouvidos dos desatentos", comentou. As letras do sertanejo podem ser duras, mas amolecem os quadris, são feitas para dançar. Ele muda arranjos e até usa guitarra elétrica, mas nunca fere a essência do que acredita ser o verdadeiro forró. "Pode me chamar de cafona/ Eu gosto é de sanfona/ Eu gosto é de forró", canta seus versos de "O Velho arvoredo". (Reportagem de Luna Markman, G1 Pernambuco).
Redação redeGN com informações G1 PE
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