*Luiz Eduardo Amaral de Mendonça
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020.
A discussão foi parar no nosso órgão superior do judiciário, assim como quase todos os assuntos atualmente ligados à pandemia, pois havia uma corrente que defendia o direito fundamental e inviolável previsto na CRFB/88 de um determinado sujeito se negar a ser vacinado por convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
O Ministro Luís Roberto Barroso rechaçou essa ideia sob o argumento de que os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade - como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança, destacando ainda que "não são legítimas as escolhas individuais que atentem contra os direitos de terceiros". Vale lembrar que a vacinação em massa é pré-requisito essencial para que haja imunização.
Duas outras ressalvas puderam ser extraídas da decisão, a saber:
O Estado até pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode haver medidas invasivas como fazer a imunização à força.
A vacinação compulsória só seria considerada constitucional se o imunizante estivesse devidamente registrado por órgão de vigilância sanitária, esteja incluído no Plano Nacional de Imunização (PNI), tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou tenha sua aplicação determinada pela autoridade correspondente.
Desde o último domingo (17), a Anvisa aprovou o uso emergencial de duas vacinas e o Governo Federal poderá complementar seu plano nacional de imunização com a definição das fases e datas. Alguns Estados já estão com o plano pronto e aprovado, ou seja, ainda nessa semana a população já deverá iniciar a primeira fase da vacinação.
Considerando a proibição para que a vacinação seja feita à força, a pergunta que fica é: Se as empresas podem obrigar seus empregados a tomar a vacina? Quais os limites do poder diretivo do empregador? Ele pode aplicar medidas disciplinares e até mesmo dispensar por justa causa?
A nossa Constituição Federal determina que o empregador é responsável por manter um ambiente de trabalho seguro e saudável aos seus empregados e da mesma forma que as empresas são obrigadas a fornecer EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), como vimos os exemplos de álcool gel e máscaras, a partir do momento que o Estado aprovou a vacinação, as mesmas podem incluir em seu PCMSO (Programa Médico de Saúde Ocupacional) a obrigatoriedade para que seus empregados estejam vacinados para adentrar em suas dependências.
A responsabilidade da empresa por tudo que ocorre nas suas dependências, as chances de contágio da doença e a prevalência do direito coletivo sobre o individual e em especial a proteção à vida, permitem que os empregadores exerçam esse poder diretivo, se valendo, para tanto, inclusive de medidas disciplinares como advertências, suspensões e até justa causa pois tal negativa poderá ser enquadrada como ato de indisciplina.
Nessa hipótese, utilizando-se do entendimento do ministro Alexandre de Moraes para quem "o Estado tem o dever de fornecer a vacina, e o indivíduo tem de se vacinar", incluo aqui mais um dever: o da empresa em proteger a saúde e segurança de seus trabalhadores não permitindo que empregados "soberanamente egoístas" (termo utilizado pela ministra Cármen Lúcia) possam expor a vida dos demais trabalhadores.
Por outro lado, conforme acima explicitado, todas as justificativas jurídicas para essa atitude mais firme por parte da empresa estão ligadas ao ambiente de trabalho e à coletividade. É esse ambiente que se pretende proteger para que então a empresa possa assegurar um local de trabalho saudável. Nesse sentido, a questão que se coloca é com relação aos empregados que atuam em trabalho remoto. A empresa também pode obrigá-los a se vacinar?
Muitas empresas desenvolveram seus planos de retomada criando políticas de trabalho remoto (entenda-se home office ou teletrabalho). Há casos, inclusive, em que os empregados foram morar no interior ou, até mesmo, em outros países, porque a pandemia acabou comprovando que o trabalho à distância pode ser uma boa alternativa de redução de custos sem diminuição de produtividade. Nesse caso, se o empregado não mais comparecer à empresa, entendo que o empregador não pode punir os teletrabalhadores que se negarem a vacinar, pois, nessa hipótese, o mesmo não representa risco à coletividade dos trabalhadores.
Como bem explicou o ministro Gilmar Mendes "a recusa de um adulto a determinado tratamento terapêutico representa o exercício de sua liberdade individual, ainda que isso implique sua morte". A empresa não tem o mesmo poder/dever do Estado, sendo que este sim poderá impor medidas restritivas como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrículas em escolas. Quando muito, poderá a empresa proibir o empregado que se negou a tomar a vacina a adentrar às suas dependências, pelos motivos acima expostos.
Vale aqui fazer uma ressalva. Se o empregado tem o dever de comparecer algum dia da semana na empresa, tal fato, por si só, já basta para que a empresa possa exigir dele também a imunização. Se ele se negar a comparecer nas reuniões presenciais e não quiser tomar a vacina, poderá ser até mesmo dispensado por justa causa, pois as reuniões presenciais faziam parte das suas obrigações contratadas.
Ou seja, é preciso que a empresa avalie qual tratamento está dando ao trabalho presencial. Para as empresas que ainda não se posicionaram é o momento de refletir e compreender que esta decisão e o formato de trabalho "escolhido" impactam não apenas no espaço físico, mas na relação com os empregados. Não adianta tornar o Teletrabalho uma regra e querer obrigar o empregado a vacinar, isso vai além do poder do empregador.
O presente artigo se propôs a analisar a relação da empresa com os seus empregados, sendo certo que o indivíduo que trabalha à distância e que se nega a tomar a vacina certamente sofrerá consequências impostas pelo Estado, mas não pela empresa.
O que sempre sugerimos é que as empresas invistam na informação e na criação de campanhas de vacinação visando conscientizá-los da mesma forma que já fazem quando enviam álcool gel e máscaras para a suas residências, até porque os teletrabalhadores devem ser tratados com isonomia.
A minha sugestão é sempre manter o diálogo entre os sujeitos da relação de trabalho, sendo que os sindicatos podem ser envolvidos. Uma norma coletiva prevendo essa obrigação por parte dos empregados, incluindo os teletrabalhadores e todas as obrigações por parte da empresa pode economizar bons debates e discussões judiciais.
Luiz Eduardo Amaral de Mendonça é sócio do FAS Advogados e pesquisador externo do GETRAB-USP.
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