O Brasil tem 2.177 candidaturas indígenas concorrendo às Eleições 2020 – 0,4% do total, segundo levantamento do Elas no Congresso. Este número é relativamente proporcional à população indígena brasileira, que representa 0,4% (900 mil) da população total (209 milhões de pessoas).
Em 2020, a maioria das candidaturas de mulheres indígenas é ao cargo de vereadora nas câmaras municipais (683), o que significa que a cada 250 candidatas à vereança, uma é mulher indígena. Parece pouco, mas nas prefeituras a disparidade é ainda maior: 1 a cada 417 candidaturas de mulheres às prefeituras do país é de uma indígena. Ou seja, são só 6 candidatas à prefeitura em todo o Brasil. Em 2016, 28 vereadoras indígenas assumiram o posto em todo o país e apenas uma prefeita.
As eleições municipais de 2020 já têm marcos importantes: é o pleito com recorde de mulheres candidatas e que, pela primeira vez, houve mais candidaturas negras que brancas. E promete também ser uma eleição importante para os indígenas: as candidaturas de mulheres indígenas para prefeituras e câmaras de vereadores cresceram 49% em relação a 2016 – mas ainda assim elas seguem representando apenas 32% do total de candidatos indígenas. O levantamento é do Elas no Congresso, plataforma d’AzMina de monitoramento legislativo dos direitos das mulheres, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O número de candidaturas indígenas em geral cresceu 26,8%. O boom tem motivação: as ameaças do governo federal aos direitos dos povos indígenas. O presidente Jair Bolsonaro vem cumprindo a promessa que fez no início de sua campanha, de não demarcar terras indígenas. Desde o começo de seu mandato, ele também vem tomando medidas que esvaziam e enfraquecem a Funai, o órgão indigenista do governo. E, mais recentemente, sancionou com vetos a lei que prevê medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de coronavírus.
“O presidente já se mostrou totalmente contrário a demarcação de terras indígenas, tem incentivado o desmatamento, a grilagem, o garimpo ilegal e a expropriação dos territórios indígenas. Por isso as queimadas têm aumentado assustadoramente desde o começo do governo e o número de assassinatos de lideranças indígenas em 2019 foi o maior em 11 anos”
Se por um lado cresce o número de candidaturas, incentivadas também pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por outro, as mulheres indígenas ainda esbarram em dificuldades para eleição. Campanhas subfinanciadas, menor tempo de exposição na mídia, além de mecanismos partidários que privilegiam os mesmos candidatos de sempre são alguns dos entraves que elas enumeram.
A única prefeita eleita, Lili (DEM), em Marcação (Paraíba), é candidata à reeleição e uma das seis mulheres indígenas concorrendo à prefeitura em 2020. Com perfis diferentes, as prefeituráveis indígenas estão distribuídas em diferentes partidos e espectros políticos. São elas: a já citada Lili (DEM); Prof Mariazinha (PSL), em Santa Isabel do Rio Negro (AM); Nina Cacique (PCdoB) em Pariconha (AL), Professora Claudete Oliveira (PT) em Eldorado (RS), Danielle Bornia (PSTU) em Niterói (RJ); e Irmã Lila (PSDB) em Canguaretama (RN).
AzMina procurou as seis candidatas com perguntas sobre suas campanhas, seus temas de interesse e suas opiniões sobre as políticas públicas para os povos indígenas. Conseguimos contato com apenas três: Nina Cacique, Professora Claudete Oliveira e Danielle Bornia.
BANDEIRAS E PREOCUPAÇÕES: Ocupar o posto mais alto de seus municípios representa para elas uma oportunidade de incluir as pautas dos povos indígenas nas políticas públicas municipais. É nos municípios que se legisla sobre temas como educação nas creches e escolas municipais, saúde nos hospitais municipais e políticas públicas de urbanismo e transporte público, por exemplo. “A comunidade em geral não tem conhecimento dos povos indígenas que ocupam Eldorado do Sul. A minha candidatura, como mulher indígena, vem para marcar esse espaço de luta, de representação, para lutar pela inclusão dos povos indígenas no mapa e no orçamento do município”, explica a candidata Professora Claudete (PT).
Candidata à prefeitura de Niterói, Danielle Bornia (PSTU) ressalta que os indígenas não vivem apenas em contexto rural. “Ao contrário do que se costuma pensar, uma parte significativa da população indígena vive hoje em contexto urbano. Se abatem sobre essa população as mesmas mazelas que se abatem sobre o conjunto da classe trabalhadora, porém ainda mais intensificadas em função da opressão. Vivemos uma das maiores crises de desemprego da história, nunca houve tantos trabalhadores vivendo em situação de rua. Isso certamente recai também sobre os indígenas”, afirma.
Em diferentes contextos e diferentes espectros políticos, as pautas levantadas por essas mulheres são variadas. A saúde indígena, por exemplo, é uma fonte de atenção prioritária entre as mulheres, que levantam a necessidade de um atendimento de saúde pública qualificado e específico para as etnias e a atenção para problemáticas atuais, como a alimentação.
“Minha maior preocupação é a saúde. Não temos uma maternidade nem nenhuma unidade 24 horas em Pariconha (AL). Com certeza essa será uma luta minha”, afirma Nina Cacique (PCdoB). Ela também reafirma a necessidade de programas de ensino e geração de renda, implementação da políticas de educação indígena, programas de aproveitamento de agricultura familiar, programas de valorização da cultura local, entre outros.
Na educação a demanda é assegurar que os conhecimentos ancestrais não sejam ignorados no espaço escolar. “Nossas mulheres serão mais felizes se seus filhos tiverem a boa educação, uma boa assistência em saúde, se mantiverem viva a sua cultura, e se elas tiverem um meio para dar sustento a sua família”, complementa Nina.
E há, é claro, a preocupação com o território, que vai muito além do que as concepções não-indígenas entendem, já que a terra é encarada como extensão dos corpos de pessoas indígenas, estabelecendo uma relação de cuidado mútuo, de subsistência.
O embate se estende também nas políticas municipais. “Aqui em Niterói temos o exemplo da aldeia Tekoá Mboy-ty (“Aldeia Semente”), uma comunidade guarani que se localizava em uma área de preservação ambiental na Praia de Camboinhas, na Região Oceânica da cidade. Era ameaçada pela especulação imobiliária na região e, em junho de 2008, a aldeia foi destruída por um incêndio criminoso enquanto a maior parte dos índios estava fora em uma reunião”, conta Danielle. A aldeia acabou se mudando para o distrito de São José do Imbassaí, em Maricá. Ela avalia que, caso a prefeitura tivesse se mobilizado para a demarcação das terras, os índios poderiam ter feito frente à especulação imobiliária.
Mas há cidades que, mesmo possuindo um grande percentual de população indígena, não têm candidaturas de mulheres aos postos de prefeitas ou vereadoras nessas eleições. Em algumas delas a população indígena é representada apenas por homens. É o caso da cidade de Pesqueira, em Pernambuco, que tem a maior proporção de população indígena (por 1000 habitantes) do Nordeste e nenhuma mulher entre seus candidatos à prefeitura ou à câmara municipal – a prefeitura é disputada por um homem indígena, o Cacique Marquinhos (Republicanos-PE).
Além dos números, o que interessa quando se fala em candidaturas indígenas e de outras minorias é o quanto os planos de governo dialogam com a agenda historicamente demandada pelos grupos. A mobilização “Campanha Indígena – Demarcando as Urnas”, promovida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) junto com a Mídia Ninja e Mídia Índia, busca mudar esse cenário apoiando 150 candidaturas comprometidas com a representatividade em todo o Brasil.
A campanha, lançada no último dia 15 de outubro, contribui para que indígenas não aceitem lançar suas candidaturas para complementar cotas, mas para que de fato sejam prioridade, tenham incentivo e recursos para fazer uma campanha igual à dos demais candidatos. “Acredito que assim como eu, as mulheres indígenas que têm se levantado para lutar por esses espaços acreditam de fato em seu potencial e na sua ideia de mudança, mas infelizmente o que percebemos é que muitos desses convites e aceites de candidaturas de mulheres são por conveniência. Então, que transformemos essa conveniência em oportunidade!”, comenta Nina Cacique.
Nina também lembra que ocupar os espaços municipais é um primeiro passo para alcançar outros espaços, como os federais. Hoje há apenas uma representante indígena no Congresso Nacional, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR), eleita em 2018.
Na vereança, um passo importante para isso é a presença das mulheres indígenas nas candidaturas coletivas. Nelas, os integrantes de um mesmo partido fazem um acordo e se mobilizam para conseguir votos coletivamente. Caso o representante seja eleito, todo o grupo tem participação, ainda que não oficial, nas discussões e debates políticos do cargo.
O TSE não divulga quais candidaturas integram chapas coletivas (nem quais são elas), porque oficialmente a candidatura é registrada no nome de uma das pessoas envolvidas. O PSOL tem, pelo menos, três “mandatas”: a Voz das Mulheres, em Londrina (PR), com Amaue Jacintho; a Coletiva Bem-Viver, em Florianópolis (SC), com Joziléia Daniza Kaingang; e a Coletivo Jaraguá É Guarani, em São Paulo (SP), formado somente por mulheres indígenas: Sônia Barbosa, Tamikuâ Txihi e Patrícia Jaxuka. Em Aracruz (ES), a chapa coletiva Filhos da Terra Tupinikim (PCdoB) também é integrada por uma mulher, Bárbara Tupinikim.
PANDEMIA TAMBÉM INCENTIVOU CANDIDATURAS: O ataque aos direitos durante a pandemia também impulsionou a busca pela ocupação de espaços políticos. “Nos demos a tarefa de denunciar o desaparecimento de corpos de bebês do povo yanomami que morreram devido à covid-19 e não foram entregues às mães para o devido luto. Já são 859 indígenas mortos pela pandemia, muitos destes idosos que, junto com eles, levam os conhecimentos, suas línguas, histórias e saberes”, conta Danielle Bornia.
Apesar de parte dos povos indígenas viverem em comunidades isoladas, o que teoricamente os deixaria a salvo da pandemia, eles foram diretamente atingidos pelo coronavírus. Ao menos 37 mil foram infectados e cerca de 859 morreram por causa do covid-19, de acordo com levantamento da Apib. Ainda assim, os povos indígenas assistiram ao presidente Jair Bolsonaro vetar uma série de medidas de proteção para comunidades indígenas durante esse período.
Mas a pandemia também trouxe limitações às campanhas. “Por conta da pandemia, a campanha de 2020 está sendo bem diferente. Estamos focando mais nas redes sociais e criando estratégias para podermos conversar com a população, sempre preocupados com as questões sanitárias”, conta Claudete.
Parte do grupo de risco por estar em tratamento quimioterápico contra o câncer, a candidata Nina Cacique tem contado com a ajuda de apoiadores em suas vizinhanças. Além das dificuldades da campanha, ela lista o próprio dia das eleições como mais uma prova. “Sei que o dia da eleição vai ser um desafio, mas espero e peço que todos os eleitores usem máscara, respeitem o distanciamento e evitem aglomerações dentro ou fora dos espaços eleitorais”, deseja.
Az minas
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