O verde tem tomado conta das comunidades rurais nesse início de ano. Com o período chuvoso, ainda que as chuvas estejam bastante irregulares no tempo e no espaço, uma característica comum na região semiárida, a Caatinga está repleta de cores, cheiros e sabores.
Isso anima as pessoas que dependem diretamente da vitalidade deste Bioma para sobreviverem. No Sertão do São Francisco, dezenas de famílias estão apostando na prática do Recaatingamento, umas há mais de dez anos, outras iniciaram mais recentemente.
A recuperação das cercas que protegem as áreas mais antigas é uma atividade que vem sendo desenvolvida em algumas comunidades, a exemplo de Curral Novo e Jacaré, no distrito de Massaroca, em Juazeiro (BA). Em 2009, uma média de 180 hectares foram cercados visando a preservação e recuperação desta parte do Fundo de Pasto da comunidade.
A ação fez parte do Projeto "Recaatingamento com comunidades agropastoris e extrativistas", executado pelo Irpaa, com recursos da Petrobras.
De acordo com o líder comunitário Raimundo Arcanjo de Lima, o momento agora, dez anos depois, foi de reavaliar esta prática e aproveitar outros projetos para dá continuidade as ações de Recaatingamento em Curral Novo e Jacaré. A partir do recurso do Prêmio BNDES de Boas Práticas para Sistemas Agrícolas Tradicionais (https://irpaa.org/noticias/1853/experiencia-do-recaatingamento-desenvolvida-pelo-irpaa-recebe-premiacao-em-brasilia), a comunidade adquiriu material para refazer a cerca, apostando agora em reduzir o tamanho da área protegida e assim conseguir fazer maior manutenção e recuperá-la de forma mais rápida.
Após avaliar o desempenho das ações ao longo desse decênio, o Irpaa estudou e apresentou para as comunidades uma nova cerca, a qual evita o uso de madeira e tem vida útil de 20 anos, com baixa necessidade de manutenção. A cerca é construída com mourões de concreto, estacas de aço e arame liso. A pegada ecológica dessa cerca é bem menor que a cerca convencional de madeira e arame farpado, conforme aponta material pedagógico elaborado pela instituição.
Além de Juazeiro, outros seis municípios do Território de Identidade Sertão do São Francisco integraram esta experiência piloto. Em muitas destas comunidades as famílias estão plantando mudas de umbuzeiros e outras plantas nativas nas áreas mais úmidas nesse período chuvoso. As comunidades que passaram a adotar a prática do Recaatingamento mais recentemente estão demarcando as áreas degradadas e construindo cercas, além de povoar também a área com espécies nativas.
Algumas, no entanto, como é o caso da comunidade Lagoa do Sal, em Campo Alegre de Lourdes, já estão colhendo os primeiros frutos da área isolada para recuperação. Além do benefício ambiental por conta do aumento da vegetação e consequente contribuição contra o efeito estufa, as famílias estão colhendo mel do apiário implantado dentro da área isolada.
A agricultora Joana Maria de Jesus, presidenta da Associação de Lagoa do Sal, lembra que foi importante a comunidade acolher o projeto em 2016, pois em 2018 já foi contemplada com o Prêmio do BNDES. Com o recurso do Prêmio e com o acompanhamento do Irpaa, a decisão coletiva foi de investir na apicultura. Joana conta que a organização da comunidade também saiu fortalecida e informa que irão aproveitar o momento atual para "marcar mutirão pra gente plantar as mudas, já temos as mudas e vamos plantar".
Em Curral Novo e Jacaré, o projeto inicial executado pelo Irpaa garantiu a construção de uma Mini Fábrica de beneficiamento de frutas, empreendimento que tem gerado renda para famílias da comunidade. Atualmente, a produção de doces, geleias, licor e outros derivados de frutas como umbu e maracujá da Caatinga tem assegurado o funcionamento da Unidade, conforme aponta Raimundo Arcanjo.
Já em Lagoa do Sal, a aposta em um apiário comunitário já possibilita a colheita de 70 quilos de mel oriundos de 38 colmeias que vivem na área protegida pela cerca. Joana explica que o mel está sendo armazenado para vender para uma Cooperativa que comercializa o produto no município. Isso anima ainda mais as famílias que passam a investir esforços em novas possibilidades de extrativismo sustentável da Caatinga.
A discussão nas comunidades acerca do valor da Caatinga em Pé, vem contribuindo com o fortalecimento da identidade das pessoas, sobretudo da juventude. Um dado que confirma isso foi o total de 15 jovens da comunidade Lagoa do Gado, também em Campo Alegre de Lourdes, que pensavam em ir embora pra São Paulo porém se matricularam na Escola Família Agrícola de Sobradinho - Efas. A partir do método da Pedagogia da Alternância, a Escola oferece formação cidadã para jovens das comunidades tradicionais com o objetivo de formar pessoas que assumam a identidade caatingueira e entendam melhor o bioma, na perspectiva de se reconhecerem como corresponsáveis em defender a Convivência com o Semiárido, inclusive, a partir da construção de políticas públicas apropriadas.
O Recaatingamento é uma metodologia de mitigação dos efeitos da desertificação e do aquecimento global. Visa a manutenção dos serviços ecossistêmicos associados, como a regulação climática, o sequestro e fixação de carbono e a conservação e recuperação do Bioma Caatinga, que é a base da vida, produção e reprodução das comunidades agropastoris e extrativistas.
As comunidades tradicionais de Fundo de Pasto tem sido a principal área de desenvolvimento da ação, onde agricultores/as são protagonistas na conservação e recuperação do ambiente em que vivem. Esta proposta foi reconhecida pelo Governo da Bahia, que passou a investir recursos na continuidade e fortalecimento do Recaatingamento em comunidades do Semiárido baiano. Através do Projeto Pró-Semiárido, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural, serão ampliados os benefícios globais quanto a proteção da biodiversidade e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Além do Território Sertão do São Francisco, as ações do Projeto serão executadas no Território Piemonte Norte de Itapicuru e Território Piemonte da Diamantina.
O método de intervenção proposto consiste na identificação e isolamento das áreas degradadas, implantação de ações hidroambientais; formulação e implantação de planos de manejo para conservação das áreas em bom estado; implementação de ações produtivas sustentáveis para a diversificação da renda e plano de manejo dos animais apropriado para adequação a capacidade de suporte da Caatinga.
Para realização destas ações são realizados cursos, oficinas, práticas, seminários, intercâmbios e mutirões, de modo que se conjugue o conhecimento tradicional associado a estas populações e o conhecimento técnico, para alcançar os objetivos do projeto, conforme explica o coordenador José Moacir dos Santos, colaborador do Irpaa.
Atualmente 31 comunidades realizam o Recaatingamento na Bahia, incluindo para além das comunidades de Fundo de Pasto, comunidades Quilombolas e Assentamentos da Reforma Agrária. Essas comunidades estão recuperando um total de 2.800 hectares degradados e fazendo plano de manejo e conservação de 20 mil hectares. A previsão é que até 2020 a preservação da Caatinga e reintrodução de novas plantas, evite a liberação de até 500 mil toneladas de carbono e o sequestro de 50 mil toneladas de carbono da atmosfera.
Comunicação Irpaa e Eixo Produção
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