Dr. Carlos Augusto
Médico/Advogado
Desde os tempos imemoriais que já se relatam casos assemelhados à esquizofrenia na humanidade. Grandes reis e imperadores foram dela portadores, principalmente na antiguidade greco-romana, quando a loucura tinha um caráter mitológico que se misturava à normalidade.
Num tempo em que a noção de passado era vaga, a escrita inexistia e os deuses decidiam tudo, o “louco” era uma espécie de ponte com o oculto. De sua boca, vinham informações quentinhas lá de cima, e não se tinha dúvida: eram eles, os deuses, que decidiam que tipo de loucura a pessoa teria. Isso até Hipócrates, o pai da medicina, estragar a festa do panteão, lá por volta do século 4 a.C.
Hipócrates sistematizou então a teoria dos humores. A bílis, segundo ele, passou a afetar o comportamento e causar a loucura, fosse melancolia ou mania – ou seja, loucura calma ou agressiva. Maior confusão estava em crer que o pânico era causado pelo deslocamento do cérebro, por sua vez aquecido pela bílis vinda pela corrente sanguínea.
Platão também deu sua contribuição no século 5 a.C. – e desde então, até o século 19, a filosofia foi a linha mestra para se entender a loucura. Sua teoria das 3 mentes (a racional, a emotiva e a instintiva) pregava: se uma delas se desequilibrasse, surgia a desordem mental.
Galeno (130 d.C.) pregou a hipótese da boa e velha bílis de Hipócrates: a amarela causaria a mania (alegre, furiosa ou homicida), e a negra, a melancolia.
No meu tempo de estudante de medicina, na Universidade Federal da Bahia, isso a quase cinquenta anos atrás, lembro-me perfeitamente que os velhos Mestres da Psiquiatria baiana, verdadeiros ases que foram, representados na minha memória pelo, Professor Doutor, Rubin de Pinho (In memoriam), grande ícone da psiquiatria na Bahia, quando em suas aulas, ensinando-nos sobre Esquizofrenia, ele começava assim:
- O termo Esquizofrenia, vem do grego ( schizo, que quer dizer fragmentação, divisão: e phrene, que é o mesmo que mente, alma), o que no bom português, significa uma fragmentação, uma divisão da alma ou da mente do indivíduo. Esta doença ainda é conhecida como Doença Praecox, por ser ela uma doença que se manifesta precocemente.
Hoje, se fossemos definir Esquizofrenia, poderíamos utilizar a definição do Doutor, Professor de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, Wagner Gattaz, que assim a define:
“Esquizofrenia é uma doença psiquiátrica endógena, que se caracteriza pela perda do contato com a realidade”.
Essa perda do contato com a realidade, faz com que a pessoa passe a ter um olhar distante, perdido, indiferente a tudo o que se passa ao seu redor.
O pior é que, além disso, o paciente esquizofrênico passa a ouvir vozes, tem alucinações e delírios, imagina-se sendo vítima de um complô diabólico com o firme propósito de destruí-lo. Não há argumento nem bom senso que o convença do contrário.
A história da humanidade, desde há milênios, está repleta de narrativas de grandes homens importantes, grandes reis e imperadores, que poderiam ser classificadas como esquizofrenicos: o incesto de Nero, Imperador Romano, pela sua própria mãe, chegando a casar-se com ela e depois mandando-a matar; depois ao estrangular a sua genitora , mandou abrir-lhe a barriga para ver de onde ele teria nascido, daí o termo “cesariana”, já que ele era um dos Césares Romanos.
Ainda falando sobre Nero, certo dia o mesmo cansou-se do gênero feminino, deixando de se relacionar com a sua própria mãe, mandando castrar um adolescente, vestindo-o de mulher e, casando-se com ele.
Ainda o Imperador omano Nero Claudius é justamente aquele que incendiou Roma e, enquanto a cidade ardia em chamas, ele compunha tranquilamente com a sua harpa.
Os imperadores romanos aprontaram de tudo: da nomeação de um cavalo para um alto cargo político, (o Imperador Calígula, nomeou seu cavalo Incitatus, para o cargo de cônsul), ao assassinato de mães, pais, irmãos…etc.
Em se tratando de loucura, estereótipos sobre a Idade Média se encaixam como uma luva bem pouco cirúrgica: nada de bílis amarela ou negra nem de cérebro deslocado, mas o Capeta em carne e osso. As referências que se cristalizaram sobre o período vêm dos textos de santo Agostinho e são Tomás de Aquino, os maiores pensadores religiosos da Idade Média. Ambos pregaram a vida perfeita, moralmente sã, tudo direitinho, segundo a Bíblia. Qualquer coisa que se fizesse de errado era pecado.
No Renascimento, as ditas trevas anticientíficas ficaram para trás e, conforme o Iluminismo chegava, os loucos continuaram a se dar mal – só que agora de forma mais racional. A loucura sai do mundo das forças naturais ou divinas e se torna a falta da razão. Surge a noção de alienação das faculdades mentais – memória, razão e imaginação -, dessa vez com causas internas, e não pela ação da bílis ou de demônios.
O medo de ser internado chegou ao auge nas vésperas da Revolução Francesa. Bastava sua família zangar-se com você ou seu vizinho decidir aumentar sua propriedade, para denunciá-lo como louco. Protestos de internos mentalmente saudáveis inconformados em viver com os insanos também pipocavam. Mas junto à Revolução Francesa veio a revolução psiquiátrica: em 1793, o médico francês Philippe Pinel transformou a loucura de uma questão de ordem social para uma questão médica. Agora, a ciência a veria como uma doença que deve ser curada.
Assim nascia uma ciência ocupada em estudar a cognição e as emoções. Na Alemanha, Wilhelm Wundt fundava o primeiro laboratório de psicologia, enquanto os americanos tomavam a frente na pesquisa da psiquiatria. Mas a próxima grande virada viria em 1886, quando Sigmund Freud pariu a psicanálise e, em 1900, quando publicou a Interpretação dos Sonhos, no qual analisa distúrbios de personalidade com base na sexualidade vivida durante a infância.
No século vinte, a ciência deu um enorme salto nos tratamentos médicos de doenças mentais. O início foi bizarro: comas induzidos, lobotomia, eletrochoques. Isso melhorou um pouco na década seguinte, com o desenvolvimento de sedativos para acalmar pessoas com quadros psicóticos e estimulantes para “levantar” depressivos. Começava a era da psicofarmacologia.
Mais recentemente temos vários episódios que nos levam a crer tratar-se de esquizofrenia: alguns assassinatos de filhos pelos pais ou de pais pelos filhos por motivo fútil, os problemas com atiradores nas escolas de algumas cidades, tanto do Brasil quanto do exterior, fazendo grande número de vítimas, sem nenhum objetivo, senão o de matar.
Tudo isso fruto de doença mental, que bem poderia ser considerada esquizofrenia.
Nos dias de agora os tratamentos são realizados nos CAPS (Centros de Assistência Psico-Social), geralmente a critério dos municípios, com médicos especializados, medicação gratuita, sem mais nenhuma necessidade de internação para esses doente, a não ser nos raros casos de agressividade.
Finalmente, descobriu-se que o lar, os amigos e o convívio social e familiar, ainda é um dos grandes remédios para a controle desta doença tão antiga.
3 comentários
25 de May / 2019 às 01h04
Dr Carlos porque hoje cresce o número de esquisofrenicos em Brasília?
25 de May / 2019 às 01h07
Esquisofrenicos tipo B... dar capim para nordestinos?
25 de May / 2019 às 07h59
Timidamente mas com muito gosto e ousadia, em comentar um estudo de um homem cerebral. Um belo texto em torno de um problema, que acomete uma parte da população mundial desde tempos imemoriais, exaltando os avanços da ciência que não foram poucos, no que se refere ao mal em se, mas no que se refere ao mal maior o preconceito. Estamos devedores, assim como a reinserção social.