Com metade da área desmatada, o Cerrado pode desaparecer ainda neste século. A morte do bioma, originalmente 22% da paisagem, é também a morte dos mananciais de água do país.
A tragédia é silenciosa. Aos poucos, sem alarde, o Cerrado está desaparecendo: 80% da biodiversidade já sofreu alterações de fauna e flora. Originalmente compunha 22% da paisagem de todo o território nacional. Com ele, vão-se os rios. E entre os rios, o Velho Chico. O São Francisco possui mais de 90% de suas nascentes plantadas no Cerrado.
Nos últimos 60 anos, o bioma mudou como nenhum outro bioma brasileiro. Sobre o Cerrado, construiu-se Brasília. E adentro dele, segue a expansão agrícola. Tanta interferência humana tem um preço. Se as chuvas tinham data para começar, agora driblam os meteorologistas. Se jorrava água nas nascentes, os rios e reservatórios estão cada vez mais secos. Ao lado da Caatinga, o Cerrado pede socorro.
“Basta acessar uma imagem de satélite da região, para constatar grandes quadrículas nos interflúvios com monoculturas e grandes círculos demarcados pela irrigação de pivôs. Os motores que fazem funcionar as máquinas da irrigação são tão possantes que são necessárias baterias de motores auxiliares, para colocá-los em operação”, comentou Altair Sales Barbosa, professor e criador do Memorial do Cerrado.
“Quando este complexo começa a funcionar os rios sofrem impactos gigantescos, alguns param totalmente do ponto de captação para baixo. Pensem. Se fôssemos animais aquáticos o que faríamos? E, se fôssemos população ribeirinha, vivendo da produção familiar, ou se vivêssemos em alguma cidade ou povoado abaixo destes sistemas, qual seria a nossa reação?”, indaga.
Segundo Sales Barbosa, onde houve modificação do solo a vegetação do Cerrado não brota nunca mais: “O solo é oligotrófico, carente de nutrientes básicos. Quando o agricultor e o pecuarista enriquecem esse solo, melhorando sua qualidade, isso é bom para outros tipos de planta, mas não para as do Cerrado. Não há mais como recuperar o ambiente original. O mais impactante é que as águas que brotam do Cerrado são as mesmas águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano”.
A extinção do Cerrado, para o pesquisador, significa a extinção dos mananciais de água do Brasil: as grandes bacias hidrográficas “brotam” dele. Chamado de rio da integração nacional, pela importância que tem para o interior do país, o São Francisco nasce em área de Cerrado e é alimentado, em sua margem esquerda, por afluentes do Cerrado: Rio Preto (GO); Rio Paracatu (MG); Rio Carinhanha, no Oeste da Bahia; Rio Formoso, que nasce no Jalapão (TO). Não por acaso o Cerrado é conhecido como a “caixa d’água do país. Abriga nascentes ou leitos de rios de oito grandes bacias hidrográficas.
Dois grandes fatores geográficos contribuem para que o Cerrado apresente tal relevância para o equilíbrio ambiental: posição e relevo. O bioma encontra-se em uma região central, o que contribuiu para que boa parte das bacias hidrográficas do país se concentre nele. Além disso, as altitudes presentes e o grande número de nascentes fazem com que haja um bom escoamento das águas para outras regiões, auxiliando na distribuição dos recursos hídricos.
“Se há a degradação do Cerrado, não há rios para alimentar o São Francisco. Podemos contar, no mínimo, dez afluentes por ano, desses grandes rios, que estão desaparecendo”, finalizou Sales Barbosa: “O Cerrado, pode-se dizer, está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água. Os frutos dessa desarmonia serão colhidos ainda na geração atual”.
Ascom CHBSF Luiza Baggio
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