Chico Buarque: “Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”

"Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”. A frase dita pelo cantor Chico Buarque ao EL PAÍS ilustra o mal-estar que aflige boa parte da classe artística sobre os rumos do setor no Governo Bolsonaro.

As políticas culturais, que ano após ano não chegam perto de 1% do orçamento geral, são uma incógnita até mesmo para os artistas e produtores brasileiros, que têm opiniões divergentes sobre os efeitos da perda de um ministério exclusivo para o assunto. De um lado, há reações bem menos enérgicas contra a extinção da pasta que as de 2016, quando o então presidente Temer recuou da proposta pela pressão de agentes culturais. De outro, o temor de que os cortes pretendidos pela equipe econômica de Paulo Guedes no Sistema S e o enxugamento nos bancos públicos inviabilizem ações que preenchem lacunas deixadas pelo poder público na produção e no acesso à cultura brasileira.

O presidente Jair Bolsonaro não dedicou muito espaço à Cultura em seu programa eleitoral. Só começou a se referir diretamente ao tema durante a campanha depois que um enorme incêndio destruiu completamente o Museu Nacional em setembro, o que chocou o país. Na ocasião, prometeu eliminar o Ministério da Cultura e concentrar as políticas do setor em uma secretaria específica como parte de seu plano de encolher a Administração pública e economizar. Bolsonaro cumpriu a promessa no seu segundo dia de mandato. Agora, a Cultura está acomodada no mesmo ministério que o Esporte e a Cidadania.

O cantor Chico Buarque, que nunca escondeu sua afinidade com o Partido dos Trabalhadores (PT), é um dos mais contundentes ao comentar a aterrissagem do novo presidente em Brasília.

“Só posso dizer o seguinte: em vista da qualidade dos ministros deste Governo, acho que é preferível que a cultura não tenha ministério”, disse ao EL PAÍS. Nem todos concordam que as mudanças promovidas pela extrema direita causarão riscos à cultura brasileira. O presidente da Ancine (órgão público que regula e promove o cinema), Christian de Castro, afirma que o setor não sofrerá nenhum impacto, que a produção é sólida e está amparada por uma legislação que existe há 20 anos. No entanto, enfatiza que a liberdade criativa é necessária para fazer filmes e vendê-los. “Sempre que há censura, perdemos dinheiro”, diz. O cinema brasileiro movimentou mais de 2,7 bilhões de reais em 2017.

Alguns anúncios feitos pela equipe do presidente, no entanto, já vinham causando preocupação a agentes culturais antes mesmo do início desta gestão. Ainda no período de transição, o ministro de Economia, Paulo Guedes, defendeu que é preciso "meter a faca" no Sistema S e cortar verbas públicas que sustentam nove entidades privadas responsáveis por promover educação e cultura no país. Entre elas, está o Sesc, que tem uma das maiores redes de promoção de atividades artísticas no Brasil. A entidade promove ações em distintas linguagens culturais em todos os estados brasileiros, que estabelecem uma agenda conforme a realidade regional, mas é também responsável por grandes ações nacionais. Entre elas, o maior circuito nacional de artes cênicas, Palco Giratório.

Sem especificar de quanto será o corte no Sistema S, Guedes argumentou que há um suposto desvio de finalidade com o investimento em "patrocínios" e não só em capacitação profissional. As declarações motivaram uma resposta do diretor estadual do Sesc de São Paulo, Danilo Miranda, em vídeo publicado nas redes sociais. Nele, alega que o Sistema S tem um caráter sociocultural, com ações voltadas para vários campos.

O diretor estadual do Sesc de São Paulo em exercício, Luiz Galina, diz que a possibilidade de cortes é preocupante, mas que até agora o Governo não fez nenhum movimento formal para efetivá-los.

"Se houver redução dos recursos, não há outras entidades que possam cumprir o papel que o Sesc tem hoje. A nossa preocupação é democratizar o acesso, fazer com que pessoas de menor renda possam usufruir dessas atividades, que muitas vezes são gratuitas", defende. Também há preocupação de que os cortes de gastos pretendidos pelos novos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal afetem as ações dos centros cultuais mantidos por estas instituições, que em algumas cidades brasileiras são responsáveis por grande parte da agenda cultural disponibilizada para a população.
 

El País