A produção de vinho mundial está sendo ameaçada pelo aumento da temperatura do planeta, apontam estudos feitos recentemente. E a França, segundo maior produtor mundial de vinhos, perdendo somente para a Itália, busca soluções para preservar as safras de uvas e garantir o abastecimento de seus famosos vinhos.
De acordo com especialistas entrevistados pelo Opera Mundi, os impactos diretos do aquecimento global são ciclos da vinha mais curtos, transformações no processo de amadurecimento, proliferação de novas doenças e colheitas cada vez mais precoces.
“Nas últimas três décadas, houve um aumento progressivo da temperatura, o que tem antecipado a data de colheita em 8 a 15 dias”, apontou Joël Rochard, especialista da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) e diretor do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Francês da Vinha e do Vinho (IVF).
Tradicionais vinhos franceses como o Bordeaux, Côtes du Rhônes, Bourgogne, Médoc e o Champagne têm sua autenticidade validada pelo selo "Denominação de Origem Controlada", como acontece com outros produtos agrícolas. Para levar o nome pelo qual é conhecido, o vinho tem que conjugar técnicas de fabricação e tipos de uvas específicos a uma localização geográfica pré-determinada. Com a alteração do clima, zonas vinícolas tradicionais seriam forçadas a se adaptar para guardar as mesmas características do produto final.
Em busca de melhores condições, "poderia haver um deslocamento da produção para o norte, ou a implantação de outras variedades", explicou o enólogo François Fevre. Em ambos os casos, isso significaria abandonar o atual sistema de selos de qualidade e mesmo o paladar das bebidas que conhecemos.
Os franceses são os maiores consumidores de vinho no mundo. Cerca de 600 milhões de litros saem das vinícolas do país a cada ano. O setor, além ser parte do patrimônio cultural e grande atrativo turístico, gera bilhões de euros todos os anos e quase 200 mil empregos. O impacto econômico da transformação ou morte das zonas vinícolas ainda não pode ser estimado. Os gastos com irrigação serão provavelmente os mais elevados, apontam os especialistas.
As vinhas têm uma vida produtiva de 30 a 40 anos e o momento do plantio representa uma decisão que pode custar caro. Investir numa variedade que não adapte as mudanças do clima é um risco alto para os pequenos produtores.
Os especialistas divergem quanto às consequências de uma elevação maior que 5°C da temperatura e seu inevitável preço para a economia. Rochard lembra que diante desse cenário extremo, inundações, fluxos migratórios e o estresse hídrico afetariam muito mais segmentos do que a viticultura e provavelmente levariam ao caos todos os sistemas produtivos.
De acordo com Fevre, o caso mais preocupante é o da região da Bourgogne, onde se cultiva apenas uma variedade de uva para o tinto, Pinot noir, e uma para o branco, Chardonnay. “Isso impede a manipulação das proporções dos componentes para aperfeiçoar a bebida, como acontece em outros pólos que produzem mais variedades”, explicou. “Com o calor o pinot noir amadurece mais rápido e produz vinhos de maior teor alcoólico”.
O enólogo garantiu que “não há preocupação há médio prazo em relação aos grandes vinhos franceses”, lembrando que atualmente eles não estão em limite de zona produtiva.
“O aquecimento vem até provocando efeitos positivos”, revelou. Segundo ele, as mudanças climáticas não são sentidas da mesma maneira em todas as regiões, portanto, “primaveras menos rigorosas evitam perdas de rendimento com geadas”. Essa fase favorável corre o risco de ser passageira, se as temperaturas continuarem a subir.
As medias práticas para conter o impacto do clima nas vinícolas francesas, de acordo com os especialistas, são tornar as garrafas mais leves e privilegiar trens para o transporte, tudo para preservar o sabor. “Também, utilizar menos energia e até mesmo produzir o vinho com o bagaço da uva”, enumera Rochard, que apresentou no Brasil as adegas ecológicas e modelos sustentáveis de produção que desenvolve junto a OVI.
Atualmente na Europa, uma vinha é composta de duas variedades, uma para a raiz e outra que vai definir o tipo da uva. Esse enxerto permite uma maior flexibilidade em relação às mudanças climáticas, uma vez que é possível
Rádio Nacional França
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