“E o sertão é um paraíso...” (Euclides da Cunha)
“O sertão é confusão em grande demasiado sossego”. (Guimarães Rosa)
O sertão é o baluarte dos valentes, dos fortes, dos guerreiros. É o berço dos poetas e utopistas. É o templo dos místicos e dos visionários. Sua bravura está calcada nas chamas do sol do meio dia. Sua poesia é filha da noite enluarada em tempo de festa junina. Sua fé vem do arrebatamento do espírito diante da superioridade do arrebol que reveste o horizonte nas horas vespertinas. O sertão é a perene e fecundante explosão da vida em forma de fogo, calor e fulguração. É o império da luz sobre a escuridão. Do movimento dinâmico das coisas sobre o marasmo gélido das cavernas. É a flor tenra que brota na fenda da pedra bruta, como que a indicar o triunfo dos humildes sobre a potência dos bárbaros.
(Conselheiro, Glauber Rocha, Gonzagão, Patativa, Ariano, Vitalino, Eduvirgens, João Grande, Zefa do Doce (só para citar os maiores): Eles são a metáfora de um sertão repleto de múltiplos encantos. Misto de simplicidade e sabedoria, eles traduzem a essência do universo sertanejo. Só quem é sertanejo (e eles foram o sertão por excelência), pode abarcar toda a dimensão desse estupendo pedaço de terra. É o caso ainda de Euclydes da Cunha e Guimarães Rosa – cavaleiros incansáveis das batalhas do grande sertão).
O sertão possui seus segredos, seus mistérios, seus encantos; no sertão coexistem valores que só o sertanejo é capaz de captar, de apreender; o sertão é a casa comum dos mitos e dos espíritos; é o panteão da pluralidade onde deuses de todas as cores e de todas as raças convivem de forma festiva e harmoniosa; é o altar do banquete originário onde o sagrado e o profano se unem em solene liturgia; é o encontro caloroso dos teimosos e obstinados em que a fé e a vida se dão as mãos em luta revolucionária.
O sertão é o aboio cadenciado do vaqueiro. É a luta constante dos filhos da terra. É a sabedoria impenetrável dos matutos. O sertão é o ser que pulsa, que vibra, que luta, que sente. Por suas sendas estreitas e sinuosas corre a seiva vivificante que alimenta a terra e o homem. Nas suas matas secas e rarefeitas dorme o sopro da vida que desponta na primeira trovoada. O sertão tem sua própria forma de ser e de conceber o mundo. Tem sua própria gramática – gramática afiada, cortante, precisa. Tão precisa quanto o bote da cascavel diante da presa ameaçadora. O sertão tem seu código de conduta, de princípios, de valores. A solidariedade é valor supremo. É um dogma, quase. É fator de agregação, de identificação de coesão. A solidariedade une o sertão nas horas tristes e alegres. Nos momentos de triunfo e de derrota. O sertão tem seus próprios perfumes, seus próprios sabores, seus próprios saberes, seus próprios manjares.
O sertão é uma questão de consciência; de identidade; é preciso identificar-se com o sertão; viver o sertão; sentir o sertão; querer o sertão; penetrar sua essência; o sertão é mais que um território: é uma entidade; é mais que um nome: é um sentimento; é mais que uma ideia: é uma paixão; o sertão está na alma, no agir e nas andanças; onde quer que esteja um filho do sertão, aí estará o sertão; onde quer que vá um filho do sertão lá estará o jeito de ser sertão; o sertão é local e universal; local e universal como o coração dos gigantes; o sertão transcende fronteiras, constrói pontes, semeia horizontes; “o sertão está dentro da gente”; o sertão é o mundo inteiro dentro da gente; a gente está nele e ele está na gente – união amorosa, visceral, carnal, mística, espiritual; o sertão é acolhida, é afeto, é hospitalidade; é o copo d’água fria oferecido ao irmão que sente sede.
Sui generis sob todos os aspectos, o sertanejo é o herói com caráter do povo brasileiro. Nada o detém. Nada o abate. Desde sempre aprendeu a ser senhor de si, a despeito de viver num mundo rodeado de senhores de coisas e de gente. Não se rende nunca. Nem mesmo diante da pior adversidade. Luta na seca, luta na guerra. Jamais foge à luta. Mesmo que às vezes o resultado da luta não seja aquele esperado. Não desiste. Sabe que de um resultado aparentemente frustrado podem surgir novos horizontes, novos caminhos, novas lições. Por isso luta. E se jacta da luta que faz. Nasceu e cresceu lutando. Lutará até a morte. O sertão e o sertanejo são filhos da luta permanente.
O sertão e o sertanejo são a síntese do Brasil limpo. Digno. Sério. Aguerrido. Altaneiro. Quem não conhece o sertão não conhece o Brasil.
José Gonçalves do Nascimento
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2 comentários
27 de Nov / 2018 às 12h20
Bom texto! Parabéns ao autor.
28 de Nov / 2018 às 13h29
Como faço para enviar um texto pra vocês publicarem?