Os textos poético-lítero-musicais trazidos no CD SerTão andante (2018) por Aldy Carvalho e seus parceiros são para ouvir e ler em geminada complementação. Decodificar essa poesia é deparar com “Canção marinheira” (Aldy Carvalho), que traz versos como “No mar deixei barco a vela/Pronto para navegar”. Quem é o marinheiro, senão o que vive as experiências do desafio ao mar? Desses portos vem, todavia, a dura marca a que um eu lírico refere com doído peito: “Saudade vem de longe/Quero saber como estás”, para, em seguida, reafirmar seus desejos: “O coração aflito/Busca o teu por companheiro”, e de seus afetos: “[Quero] Sentir o teu perfume/Quero te beijar”.
Em “Com certeza” (Nildo Freitas), há o redivivo canto às crenças, aos saberes do sertanejo a pressentir as chuvas boas, de esperança, de fartura, apontadas nos versos “Cheiro de vento norte/Parece que vai chover/Molhar o solo duro/Ter o que comer”. O medo, àquele das sombras noturnas da gameleira a que a gente antiga não atravessava, desenha o mapa das superstições caatingueiras: “Medo da gameleira/São coisas lá do sertão”. Do amor? Faz-se presente nos versos “Moça namoradeira/ Corisco e Lampião”. Emblemáticos, não? Sim, porque moças namoradeiras são para os homens de fogo!
Em “Estilhaços”, vitrais de versos se esbandalham: “Um pé de milho/Uma rosa ao vento/Um relógio parado/Um trem dando partida/Almas perdidas/ Uma vida vadia/O reflexo do espelho/Um cão ladino/Um grito desesperado” que remetem a um quê de poesia simbolista e a uma tessitura em que vários planos se sobrepõem ao modo Cubista de Picassos sertanejos. A impressão que se tem é a de que João Joaquim de Carvalho e Aldy, pai e filho, respectivamente, ao escreverem idearam amigável certame entre dois andantes a encurtar a estrada em passatempo de jogos de palavras montadas ao acaso.
Em “Veios d’água” (Aldy Carvalho, Crica Carvalho, Fabiane Carvalho), uma trinca de Carvalho, assinala esperança e alegria no tocante às águas que batizam esses sertões: “Basta um fio cristalino/Que a natureza faz florescer”, seguidos de tom profético a nos alertar a omissão: “E se o rio secar/Que será, será, que será?” Por fim, o reconhecimento da terra-irmã que nos abençoa com o cotidianar dessas águas de tantos afluentes: “Meu velho Chico mina de minas, Minas Gerais”.
Massangana é termo que nos foi possivelmente legado por filhos de Angola, nossos irmãos de ébano para cá trazidos, e significa confluência, foz, lugar onde dois rios se juntam num só. “Massangana” (Aldy Carvalho) é harmonioso instrumental dedicado a Luciano Peixinho, (Tv Grande Rio – Petrolina) a quem o “Cavaleiro das Léguas” cognomina “poeta das imagens sanfransciscanas e do semiárido denso e belo”, em justo preito a este que faz com suas câmeras dois rios confluírem: o das águas, o São Francisco, e o de palavras/versos de tantos cantadores/poetas deste Sertão que Deus arquitetou.
Ouçamos “Martelo tirano”, “Jornada” “Maria”, “Redemoinho”, entre outras canções aqui apresentadas, e concluamos: em nosso país há poetas e músicos de primeira grandeza. Aldy Carvalho, poeta e cantador, é brilho no constelado céu deste SerTão andante.
Pedro Pernambuco, Professor da Universidade de Pernambuco Campus Petrolina.
PS: O poeta estará no programa "Feira de Música com Temperos de Prosa", pela Emissora Rural, no sábado, 10/11 e o CD "SerTão andante" e o livro "Memórias de alforje" estarão disponíveis na Tenda, no Sebo Rebuliço ou pelo e-mail de Aldy Carvalho: [email protected]
Por Pedro Pernambuco, Professor da Universidade de Pernambuco Campus Petrolina.
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