"Em Brasília, 19 horas". A frase, tão emblemática e tão conhecida pelos brasileiros, já faz parte da história do rádio mundial. Com esse jargão, o programa mais antigo do rádio nacional, A Voz do Brasil, que tem mais de 80 anos, abria suas transmissões. O noticiário de rádio que está há mais tempo no ar no país, com registro no livro dos recordes, o Guiness Book é dividido entre notícias dos três poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário.
A jornalista Silvia Bessa, escreve que a prática de se transmitir nos meios de comunicação eletrônicos um programa obrigatório por determinação estatal, precursor dos atuais guias eleitorais, começou no rádio em meados de 1930, na Era Vargas. Na Rádio Clube de Pernambuco, quando se deu início em 1932 ao Programa Nacional Brasileiro - depois chamado de A Hora do Brasil e Voz do Brasil - foi preciso uma grande reorganização da grade.
Com pouco, passou a ser visto como “um contratempo para se programar depois das 21h, numa cidade onde se tinha o hábito de dormir cedo”, explica o professor Luiz Maranhão Filho, estudioso da história do rádio do estado. Rádio era sinônimo de lazer. A inquietude da sociedade do estado que dispunha de acesso ao equipamento de rádio, diz ele, chegou a tanto que nos bastidores das emissoras, A Hora do Brasil ganhou um apelido: “A hora irracional”.
Nos primeiros anos da década de 1930, a emissora funcionava em dois turnos, das 10h às 14h e das 18h às 23h. Deixava espaços livres para o descanso das válvulas. Mas o Governo já começava a dar sinais de que determinaria a sistematização programática das emissoras de todo o país, até então experimentais. Jornais vasculhados por Maranhão davam conta, por exemplo, que, por disposição legal, no início e no final do dia era tocado o Hino Nacional na Rádio Clube, a pioneira do Brasil.
O Programa Nacional foi criado pelo Decreto 21.111 do presidente Getúlio Vargas em 1932. Destinava-se a “ser ouvido, ao mesmo tempo, em todo o território do país, em horas determinadas, e versará sobre assuntos educacionais de ordem política, religiosa, econômica, financeira, científica e artística”.
O rádio crescia como veículo de comunicação e seu papel de influenciador político passava a ser visto como instrumento útil. Para o Governo, o rádio virou estratégico. “Primeiro, ele distribui noticiário. Depois começa a produzir exclusivamente notícias favoráveis ao governo e louvores à ditadura do Estado Novo”, afirma Magaly Prado, jornalista e autora de História do Rádio no Brasil (Ed. Da Boa Prosa, 2012).
Em 1938, ou seja há 80 anos, o Programa Nacional ganhou o nome de A Hora do Brasil. A partir de então, passou a ser transmitido obrigatoriamente entre 20h e 21h por todas as emissoras, sob pena de suspensão. Na teoria, teria finalidade informativa, cultural e cívica. “Seu aspecto dominante, no entanto, é a propaganda ideológica mas escancarada no Estado Novo dos programas e realizações do governo”, explica Ethevaldo Siqueira, em Revolução Digital (Ed. Saraiva, 2007). “Pelas preocupações que já dominavam a população desde a Intentona de 1935, o Governo Vargas não encontra dificuldade para dar o golpe, no dia 10 de novembro de 1937, formalizando à Nação por intermédio de pronunciamento por rádio a todo o país”.
Na ditadura de Vargas, usou-se no A Hora do Brasil até o radioteatro, modelo muito bem feito em Pernambuco e exportado para outros estados. Eram programas com episódios sobre a proclamação da República, abolição da escravidão e sobre Inconfidência Mineira. Toda a notícia veiculada era produzida com rígido controle. No início de A Hora do Brasil, quem cuidava do conteúdo era o Departamento de Programa e Difusão (DPDC).
Com tempo, ele se transformou no Departamento Nacional de Propaganda (DIP) e, a partir de 1938, quando o Programa Nacional radiofônico foi rebatizado para A Hora do Brasil, a produção foi conduzida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). O DIP se configurou em uma instituição voltado para a Censura durante o Estado Novo.
A Voz do Brasil teve horário flexibilizado pelo presidente Michel Temer em abril deste ano, mas continua obrigatório.
Silvia Bessa-Diário de Pernambuco
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