E se pudesse fazer um pedido, Geraldo Azevedo diz que deseja que as pessoas se amem e se respeitem mais, que entendam que precisam umas das outras e também da natureza. “Somos todos irmãos, a natureza inteira, não apenas os seres humanos”, reforça o compositor do álbum Salve São Francisco – indicado ao Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música de Raízes Brasileiras - Regional Nativa - composto em defesa do rio São Francisco que entrecorta a cidade de Petrolina, onde ele nasceu.
Em mais de sete décadas de existência, ele deixou o interior de Petrolina, a 712 quilômetros do Recife, e se projetou como expoente da música popular brasileira. Propagou o sotaque nordestino em shows, rádios e telenovelas. Cantou a liberdade na era de chumbo da década de 1970 e foi detido pelos militares. Lançou 25 álbuns - somando produções solo e parcerias - durante os mais de 40 anos de carreira. Foi premiado com dois discos de ouro e um platina, disputou o Grammy Latino, subiu ao palco ao lado dos filhos, também músicos, e compôs trilhas sonoras para histórias de amor e revolução. Dia branco e Canção da despedida estão entre as composições que o músico considera obras primas, ambas fruto de parcerias com outros compositores.
Além de artista, Geraldo Azevedo é um diplomata nas rodas da música e poesia nacionais. Alceu Valença, Elba e Zé Ramalho, Fagner, Geraldo Vandré, Fausto Nilo, Moraes Moreira, José Carlos Capinan, Assunção de Maria e Carlos Fernandes são nomes na extensa lista de parceiros musicais. Para ele, a história dos setenta e três anos de idade, comemorados nesta quinta-feira (11), é feita de causos conduzidos pela música.
Geraldo Azevedo de Amorim, que na adolescência sonhava em se tornar arquiteto, diz ter sido envolvido pela arte - fio condutor de possibilidades infinitas, nas palavras do aniversariante. “Durante toda a vida, a música me levou aonde quis”, ele diz. Então, embarque com o Viver em uma viagem com canções, do pernambucano e de amigos, pela vida do sertanejo.
O primeiro violão foi feito e entregue pelas mãos do pai, José Amorim, quando Geraldo tinha apenas cinco anos de idade. Autodidata, o menino cantava e tocava desde a infância, se apresentando na escola de alfabetização coordenada pela mãe, em Petrolina. “Cresci numa casa que mais parecia um centro cultural no cenário dominado pela roça. Minha mãe cantava bastante e meu pai deixava sempre um instrumento musical ao nosso alcance. Eu não cresci com pretensões artísticas, mas houve uma ligação intuitiva com a música. Graças à convivência com o violão, eu e meus irmãos aprendemos a manuseá-lo. Na ascensão da bossa nova, com acordes e arranjos inéditos, me interessei pela primeira vez em estudar as notas e acordes da teoria musical. ”
Aos 18 anos, Geraldo deixou a cidade-natal e partiu rumo à capital pernambucana, onde pretendia concluir os estudos e prestar vestibular para o curso de arquitetura. “Em Petrolina, as escolas ofereciam turmas somente até o ginásio (ensino fundamental). Me mudei para o Recife planejando me tornar engenheiro ou arquiteto, mais provavelmente arquiteto. Sempre gostei de cálculos, matemática, física e desenho. Ainda hoje rabisco algumas gravuras, que já foram usadas como inspiração para os cenários de alguns shows”, conta o músico, que não chegou a se graduar.
A convite da cantora Eliana Pittman, que o via tocar, embarcou com 22 anos para o primeiro show fora de Pernambuco. Apresentou-se no Rio de Janeiro, onde Eliana gravou a canção Aquela rosa, composta por Geraldo. “No Rio, conheci meu parceiro musical Geraldo Vandré e o caminho da música se tornou sem volta. Tudo começou a acontecer. ”
Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1984), Geraldo Azevedo foi preso e torturado pelo regime duas vezes. A primeira no governo Costa e Silva, durante 41 dias. A segunda no período Geisel, quando foi “confundido” com um rapaz chamado Valério. Chegou a ser enviado à solitária, de onde saiu com traumas físicos e emocionais. Um violão o salvou. Quando souberam da identidade artística, os militares lhe entregaram o instrumento para que ele “mostrasse a habilidade”. Sem roupa, ele cantou e dançou para os algozes. Foi solto e jamais processado.
A música Canção da despedida – segundo o intérprete, escrita em parceria com Geraldo Vandré em 1968 – foi censurada por fazer alusão ao exílio e ao governo ditatorial. Gravada mais tarde por Elba Ramalho, acabou se popularizando como canção romântica sem cunho político. Em entrevista polêmica na década de 2000, Vandré negou quaisquer parcerias nessa fase da vida. Geraldo, por sua vez, elogia o trabalho da dupla e diz considerar a letra uma das preferidas. Sobre a evolução democrática, afirma: “Hoje fazemos música em um país mais livre. Mas a lição que tirei daquela época e repasso aos mais jovens é que a arte sempre prevalece. Mesmo nas condições mais adversas, a arte e a cultura se sobressaem. ”
Nos anos 1970, Geraldo construiu uma das mais marcantes parcerias musicais. Provavelmente a mais conhecida pelo público dele. “Naquele tempo eu me apresentava junto com Geraldo Vandré, e já havia notado a presença de Alceu (Valença) na plateia em algumas ocasiões. Certa noite, ele se apresentou como músico, conversamos e senti uma empatia imediata. Nasceu uma irmandade. No dia seguinte ele já estava em minha casa, quando escrevemos nossa primeira música juntos, Talismã.
Começamos a trabalhar em parceria e não paramos mais. Conseguimos espaço no Festival Universitário da TV Tupi, do qual saímos sem prêmio algum, mas com convites para shows e turnês.” Em 1972, foi lançado o primeiro álbum da carreira de Geraldo, intitulado Alceu Valença e Geraldo Azevedo – Quadrafônico, encartado pela Copacabana Discos.
“Até hoje nos confundem, Alceu e eu. Já aproveitamos a semelhança para trocar de lugar propositalmente algumas vezes. Um dia, numa barraca de coco na praia, o vendedor me disse: ‘Alceu, eu sou seu fã! Você aqui não paga nada!’, e eu me passei por ele. Tomei o coco e fui embora sem pagar.”
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