A concessão do título de patrono brasileiro dos Direitos Humanos a dom Helder Câmara, feita pelo presidente Michel Temer, na semana passada, por meio da sanção da Lei Federal 13.581/2017, tem sido alvo de críticas de setores ligados à Igreja e a entidades da sociedade civil.
As alegações não questionam se o religioso é ou não merecedor da honraria, mas, sim, a disposição de parlamentares e do Governo Federal em homenageá-lo ao mesmo tempo em que defendem pautas consideradas contrárias aos direitos humanos e aos interesses da maioria da população, como o teto de gastos que pode afetar as áreas de saúde e educação e as reformas trabalhistas e da Previdência. O arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, é um dos que engrossam a lista de contestadores da medida. Ele divulgou um artigo em que classifica a lei como "ambígua".
No texto, dom Fernando afirma que foi surpreendido com a sanção da matéria, cujo texto "é sucinto e não explicita motivações, nem consequências". Ele diz que "nenhum ato dessa natureza é neutro ou sem repercussões" e que a política está desacreditada "porque os políticos não primam pela coerência entre seu falar e o seu agir".
No trecho mais duro, o arcebispo demonstra estranhar que a homenagem a dom Helder tenha vindo de um governo que, segundo ele, esvaziou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e que reduziu "substancialmente os gastos públicos em saúde e educação, deixando os milhões de pobres abandonados à própria sorte". na seção de Opinião.
Dom Fernando ainda afirma que "pensar em direitos humanos" é colocar-se em campo oposto à sujeição dos "trabalhadores a regras que lhes são contrárias e que retiram direitos adquiridos na Constituição de 1988". Ele também critica a Reforma da Previdência, afirmando que o Governo "pressiona de formas ilícitas para vê-la aprovada". O artigo na íntegra está na página 11 da edição desta quarta-feira (3) da Folha de Pernambuco, na seção de Opinião.
Autor do livro "Dom Helder Camara - Profeta para os nossos dias" e assessor do religioso por quase uma década nos anos 60, o monge beneditino Marcelo Barros também manifestou estranhamento. "O texto da lei é sucinto, não diz nada. Qualquer palavra que a gente der sobre isso é conjectural. Mas é fato que, se o Governo proclama Dom Helder patrono, que mostre sensibilidade aos direitos humanos concretos. O que vemos, a cada dia, é o Governo agir de um modo oposto", avaliou.
Coordenador executivo do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (Cendhec), no Recife, Ricardo Oliveira disse ver a honraria como uma contradição. "O que questionamos é uma homenagem como essa vir de um governo com práticas contrárias à representação da luta dos direitos humanos, da atenção às populações mais necessitadas, que eram práticas de dom Helder. É algo merecido, mas que, partindo desse governo, deixa a todos nós num ambiente muito desconfortável", refletiu.
A Lei 13.581 tem apenas dois artigos. Já quando ainda era o Projeto de Lei 7230, o texto trazia como justificativa o fato de Dom Helder ter sido "um grande defensor dos direitos humanos durante o regime militar brasileiro" e "referência na luta pela paz e pela justiça social". Lembrava ainda o período de 21 anos em que o religioso foi arcebispo de Olinda e Recife e sua indicação, por quatro vezes, para o Prêmio Nobel da Paz. A matéria foi proposta em 2014 pelo deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA).
O parlamentar não foi encontrado pela reportagem para comentar as críticas ao projeto. Já a Presidência da República limitou-se a afirmar, em nota, que a sanção da lei após aprovação da Câmara e do Senado "é uma merecida homenagem à biografia de Dom Helder Camara".
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