Maria Vera, Andreza, Helem, Luana, Vanúcia, Janaína, Daniela. Agora, Daiane. Essas são apenas algumas das mulheres que, em 2017, foram vítimas de feminicídio. Não faltaram motivos; justificativas que tentassem explicar o inexplicável: ciúmes, discussão, traição, ameaça de expor a relação. Nenhum era o verdadeiro: elas morreram porque eram mulheres.
Em 2017, até 18 de dezembro, foram 39 casos – um levantamento feito pelo CORREIO identificou 33 dessas vítimas. Em comum, todas histórias com o mesmo nível de crueldade e que despertaram a mesma revolta. E histórias que parecem não ter fim.
No sábado (16), o machismo fez mais uma vítima. A estudante de Nutrição Daiane Reis, 25 anos, morta em Serrinha, no Centro Norte do estado, pelo marido, identificado como Adilson Padro Lima Júnior, 25. Daiane, que já tinha um filho de um relacionamento anterior, estava grávida de nove meses. A pequena Maria Clara deveria nascer, fruto de uma cesariana, nesta segunda-feira (18). No entanto, este foi o dia em que mãe e filha foram enterradas juntas. Daiane desapareceu na tarde de sábado, mas o corpo só foi encontrado na manhã de domingo (17), por ciclistas, em um matagal no povoado do Murici. Ao lado do corpo de Daiane, a polícia encontrou um projétil de revólver calibre ponto 32.
Ao ser interrogado pela polícia pela segunda vez, no domingo à noite, Adilson confessou o crime. Ele foi preso em flagrante e deve responder por feminicídio. De acordo com o pai de Daiane, o comerciante Rubens Mota, 54, Adilson pegou seu carro emprestado, por volta das 13h do sábado, para levar a mulher para fazer compras do enxoval do bebê. "Ele usou meu próprio carro para fazer uma barbaridade dessas com a minha filha", lamentou o comerciante.
O crime teria acontecido cerca de uma hora depois que ele pegou o carro. Pouco depois, ainda no sábado, ele ligou para o sogro para dizer que Daiane tinha sumido. Toda a família iniciou uma busca para tentar localizar Daiane. "Nós começamos a ligar para os hospitais de Serrinha, Feira de Santana e Salvador, para tentar levantar alguma informação", contou Rubens.
Foram 39 vítimas de feminicídio em 2017, mas podem ter sido mais. Bem mais. No entanto, como a lei do feminicídio é recente – desde 2015, o feminicídio é uma qualificadora do homicídio –, a tipificação do crime desde o início ainda é um desafio. “Os dados são altos, mas são subnotificados. Muitas vezes, visitamos delegacias e identificamos a necessidade de maior subsídio no registro da ocorrência, para que seja feita a tipificação do feminicídio”, diz a secretária estadual de Políticas para Mulheres, Julieta Palmeira.
Até hoje, a Bahia já registrou três condenações por feminicídio. Para a desembargadora Nágila Brito, titular da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), o número é ‘razoável’, considerando que o processo tem duas fases. “Felizmente, a sociedade tem respondido bem, porque quem vota em caso de júri são jurados e a sociedade é representada. O Judiciário está fazendo um esforço para julgar rápido”, garante.
Mas ela destaca que o feminicídio não acontece da noite para o dia. Por vezes, o feminicídio é o ponto final de abusos frequentes – sejam físicos ou psicológicos. Muitas das vítimas eram mulheres que sofreram por anos. E, para a desembargadora, não é raro que a família tenha alguma culpa.
“Às vezes, a mulher quer se separar, mas a família não apoia, tem aquela visão tradicional de que casamento é para sempre, que homem é assim mesmo. São esses pensamentos da sociedade patriarcal que matam. É toda uma cultura, uma situação muito grave e muito dolorosa”.
Titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Periperi, a delegada Vânia Matos atende casos de violência doméstica diariamente. Diz que passou a fazer de sua rotina tentar mostrar às vítimas que lá chegam sobre o feminicídio. “Nenhuma mulher que registrou ocorrência aqui sofreu feminicídio, mas a gente conversa muito com elas sobre isso, que é um crime difícil pelo vínculo. Nenhum crime é justificável, mas o vínculo é muito grande e acaba proporcionando essas oportunidades”.
Segundo a secretária Julieta Palmeira, mais do que um problema de violência, o feminicídio é uma questão de saúde pública. “E existe um agravante que é o racismo estrutural da nossa sociedade, porque as mulheres que mais sofrem feminicídio ou violência são as mulheres negras, porque existe a intersecção entre machismo, racismo e desigualdade social”.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.