Não é mais novidade para ninguém que a pesquisa é de suma importância para o agronegócio brasileiro. Auxiliando sempre para que o produtor tenha mais lucros, menos trabalho e consiga atingir seus objetivos, a pesquisa tem permitido, ao longo dos anos, que o Brasil ganhasse o lugar de destaque que hoje ocupa no cenário mundial. E uma pesquisa pioneira, desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa, SP, descobriu uma forma de produzir um tipo de leite que não causa alergia pela proteína presente na bebida. Os estudiosos do Centro observaram a composição genética do gado e realizaram o cruzamento apenas entre os rebanhos que apresentaram a proteína beta-caseína A2 no organismo que, segundo o estudo, são mais saudáveis para o consumo humano.
Os estudos tiveram início em 2012, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), mais especificadamente na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, do campus de Jaboticabal, como um projeto de extensão universitária. “No entanto, essa pesquisa foi inspirada em estudos prévios realizados na Austrália e Nova Zelândia, sobre o perfil das beta-caseína no leite bovino, que datam de cerca de dez anos atrás”, informa o professor do Departamento de Melhoramento Genético Animal da Unesp Jaboticabal, Humberto Tonhati. Ele explica que nestes países já existe até mesmo a comercialização de leite e derivados constituídos exclusivamente pela variante A2 da beta-caseína, que é considerado uma forma mais saudável para o consumo humano.
Tonhati comenta que uma ressalva importante é que o aspecto saudável atribuído ao leite A2 está relacionado ao perfil proteico da beta-caseína, não sendo recomendado para pessoas intolerantes a lactose ou com distúrbios relacionados a qualquer outro componente lácteo que não seja a beta-caseína. “As beta-caseínas são um tipo particular de caseínas do leite, que estão presentes no leite bovino em duas formas mais comuns, denominadas tipo A1 e A2, sendo que o tipo A1 pode ter efeitos nocivos à saúde humana”, conta. O professor acrescenta que os estudos realizados estão no contexto de melhoramento genético de animais domésticos, não sendo diretamente relacionados ao efeito do leite sobre a saúde humana. “O que fazemos em nosso laboratório é a identificação de animais que produzem o leite do tipo A2, através de testes no DNA de cada animal”, afirma.
O professor conta que a iniciativa das pesquisas foi principalmente do doutor Aníbal Eugênio Vercesi Filho e do doutor Gregório Miguel Camargo, que levando em consideração que as raças zebuínas utilizadas para a produção de leite no Brasil eram pouco estudadas quanto seu potencial em produzir leite tipo A2. “Sabemos que a diferença entre as variantes A1 e A2 da beta-caseína estão em um único aminoácido da cadeia proteica, de modo que a análise do DNA permite a identificação do tipo de leite que cada animal está apto a produzir. Assim, o nosso trabalho consiste na extração do DNA de cada animal e análise da composição genética de cada um no gene da beta-caseína, para dar suporte aos criadores na seleção de animais para serem mantidos em seu plantel”, diz Tonhati.
Para realização dos testes e estudos, a raça escolhida foi a Gir Leiteiro, espécie mais utilizada para a produção do setor de laticínios no Brasil. “Identificamos que a proporção de animais que produzem o leite A2 é alta. Entre 385 animais genotipados, observamos que 85% deles produziam exclusivamente o leite A2. Estudos com outras raças demonstram que raças taurinas, como Holandês e Pardo-Suíço, têm frequências menores de animais que produzem o leite A2, praticamente 50%. O nosso cenário nacional consiste da utilização de animais cruzados, entre taurinos e zebuínos”, conta o professor. Além disso, enquanto o leite comercializado tem apenas 11% da presença da proteína A2, no leite do gado com o melhoramento genético, analisado na pesquisa, a existência beta-caseína sobre para 88,5%, segundo o estudo.
Os testes que estão sendo desenvolvidos na Universidade têm o caráter de identificação de animais que produzem o leite tipo A2, explica o doutor Diercles Francisco Cardoso, que auxilia nas pesquisas. “Estes testes já podem ser aplicados, de forma comercial, pois é extremamente simples de ser realizado em laboratórios especializados em análises genéticas. Geralmente, o leite que é comercializado corresponde à mistura do leite de vários animais, entre os quais produzem leite A1 e A2”, conta. Cardoso acrescenta que, diferentemente de outros países, no Brasil ainda não há laticínios que comercializem leite para consumo exclusivamente compostos pelo tipo A2. “Alguns produtores que trabalham conosco têm informações sobre cada animal genotipado, quanto ao tipo de leite que este animal produz, podendo formar planteis com animais que produzem exclusivamente o leite A2. Hoje existe em pequena escala a oferta desse produto”, informa.
Leite A1 e A2
Os pesquisadores comentam que o leite é um alimento bastante complexo, composto por gorduras, proteínas, carboidratos na forma de lactose, alguns minerais, vitaminas e água. A diferença entre o leite A1 e A2 está apenas no perfil da beta-caseína, mais especificadamente no 67° aminoácido da cadeia proteica. “A variante A1 apresenta uma histidina nesta posição, enquanto a variante A2 apresenta uma prolina. Alguns estudos discutem que a beta-caseína A1 surgiu na espécie bovina devido a mutações genéticas, e passaram a ser frequentes em algumas raças. Esta variante é de difícil digestão no trato gastrointestinal humano e leva a produção de um opioide chamado de beta-casomorfina-7 (BCM7), que tem consequências no organismo, incluindo doenças coronárias, diabetes mellitus tipo 1 e alergias”, explica Cardoso.
Além disso, Tonhati e Cardoso ainda acrescentam que não é necessária nenhuma mudança no manejo ou nutrição dos animais para a produção deste tipo de leite. “O tipo de leite que o animal produz quanto ao perfil da beta-caseína é uma determinação genética. Assim, o necessário para a produção leite A2 é a genotipagem das vacas e seleção daquelas que produzem o leite A2, sem que sejam necessárias mudanças posteriores no manejo”, esclarece Tonhati. O professor acrescenta que o tipo de alimentação e condições ambientais que o rebanho é exposto influenciam a quantidade e qualidade do leite produzido, mas não afetam o tipo de beta-caseína presente no leite.
Outro detalhe destacado pelos pesquisadores é que no ponto de vista deles a maior vantagem na comercialização do leite A2 seria oferecida ao consumidor, que teria um produtor final mais saudável. “Para o produtor, infelizmente, ainda não existe vantagem alguma no tipo de leite que seus animais produzem, uma vez que não existe discriminação do produto final ofertado ao consumidor”, finalizam.
No projeto, participaram pesquisadores do Instituto de Zootecnia em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal e com a Associação Brasileira de Criadores do Gir Leiteiro (ABCGIL).
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