A edição do jornal francês Le Monde, no primeiro semestre do ano, dedicou uma reportagem à grande seca que atinge o Nordeste do Brasil. A enviada especial às cidades de Dormentes e Petrolina, no sertão de Pernambuco, conversou com moradores e políticos da região para mostrar a dimensão do problema.
O texto começa com a história de Maria de Fatima Pereira Barbosa, 28 anos, grávida do quarto filho, que conta que rezou muito a São José no dia 19 de março pela chuva. Segundo a lenda, caso chova nesse dia, as colheitas serão boas. Porém não caiu uma gota, e a moça diz que o sol brilhou mais forte ainda que nos outros dias. Seus pés de milho e de feijão secaram.
No casebre insalubre onde vive, o rosto da moradora se ilumina quando ela fala do passado, do tempo em que se colhia “tranquilamente” até sete sacas de milho e de feijão. Uma época de opulência na localidade de Baixa da Esperança, no meio do Sertão, na zona semiárida conhecida como “polígono da seca”.
Já são sete anos que a seca se abate sobre essa região, entre as mais pobres do país. Cerca de 90% das colheitas foram perdidas. A maioria das famílias sobrevive graças ao Bolsa Família, cuja ajuda é de, no máximo, algumas centenas de reais. Os homens tentam conseguir trabalho nas fazendas.
“É uma catástrofe. Cada ano é mais seco que o precedente. Mesmo o mandacaru (cacto típico da região) morre”, diz, desolada, Josimara Cavalcanti Yotsuya, vice-prefeita de Dormentes, do PSB (Partido Socialista Brasileiro).
Ela leva a repórter para ver os açudes, cujo nível de água é dramaticamente baixo. Ela critica o envio de caminhões pipa pelo governo do Estado, que são poucos.
Em 2017, o pluviômetro marca 164 mm em Dormentes. A duas horas de estrada de lá, Petrolina registra 146,7 mm de chuva, contra uma média de 440 mm nos últimos 105 anos. Os dois municípios declararam estado de emergência, como cerca de 80% das cidades do Nordeste desde 2012. “Uma seca sem fim. Histórica e inédita desde 1910”, escreve a correspondente. “Se as pessoas não morrem de sede, a agricultura e a pecuária já não permitem levar uma vida decente.”
A principal explicação para uma seca tão intensa estaria ligada ao fenômeno climático que aquece o oceano acima da linha do Equador e o esfria na costa nordestina, evitando a formação de nuvens de chuva, segundo o professor de meteorologia Mario Miranda, entrevistado pelo jornal. O El Niño, outro fenômeno climático, piora ainda mais a situação. Na região de Petrolina, onde chove menos que em Dormente, os agricultores prosperam graças a um sistema de irrigação que usa as águas do rio São Francisco. A técnica permite irrigar uma zona de 170 mil hectares.
O local se tornou uma espécie de oásis em pleno deserto. O vale do São Francisco é um dos principais exportadores de frutas, como manga, melão e banana, e é conhecido por seus vinhedos. Pernambuco gastou nos últimos dois anos cerca de R$ 700 milhões para instalar recursos hídricos, principalmente investimentos na transposição do rio São Francisco, “projeto polêmico que visa irrigar as zonas quase desérticas”.
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