Era o dia 26 de junho de 1917 quando a primeira filha do casal Antonio Rodolfo Duarte e Maria Benevides Duarte nasceu à rua Visconde do Rio Branco. Batizaram-na de Maria de Lourdes Duarte. Naqueles idos, Juazeiro era uma senhorita de 38 anos, que ostentava, nas páginas de uma imprensa atuante, a lordeza de um comércio pujante. Vapores e vagões atracavam as novidades do mundo e integravam a princesa do São Francisco às grandes cidades brasileiras, em uma encruzilhada de duas grandes artérias de comunicação interior, como testemunhou Teodoro Sampaio.
Naquele cenário idílico de uma cidade que apresentava perspectivas prodigiosas de um futuro promissor, as crianças inundavam as ruas com as mais variadas brincadeiras e a menina Lourdinha se divertia entretendo-se com bonecas de pano, chicotinho queimado, pula corda, esconde-esconde e, como se fosse um presságio, brincando de escola. Sempre queria ser a professora da turma e cabia à criançada da Conselheiro Luis Viana experimentar os primeiros ensinamentos da futura mestra, quiçá derivados de seus aprendizados na escola particular da professora leiga Honorina Puccini de Almeida, onde aprendeu a ler nos difíceis livros de leitura de Felisberto de Carvalho, e na escola pública da professora Angélica Maltez, onde cursou a terceira e quarta séries primárias, recebendo o diploma de conclusão do curso primário com “distinção e louvor”.
No refluxo das águas sanfranciscanas cuidadosamente atravessadas por paqueteiros experientes, a estudante Lourdes Duarte realizou o seu sonho de se tornar professora ao ingressar em 1931 no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, em Petrolina-PE, concluindo a Escola Normal em 1936. Prestou concurso para o magistério primário e, enquanto aguardava a nomeação, deu aula por alguns meses no curso ginasial do Colégio onde se diplomara. Também ocupou a regência de classes no curso primário da Sociedade Beneficente dos Artífices Juazeirenses, que oferecia ensino gratuito a filhos de operários. Sem vínculo com o Estado, a escola dos Artífices tinha um benfeitor – Lafaiete de Castro – que doava o material didático. Durante a regência da professora Lourdes Duarte, um inspetor escolar visitou a escola e, após acompanhar uma aula, lavrou elogioso termo recomendando o registro da instituição junto à Secretaria de Educação. Foi o primeiro reconhecimento público do seu talento em ensinar.
Mas eram anos difíceis para se manter com a baixa remuneração oferecida pela Sociedade Beneficente e a professora Lourdes Duarte foi forçada a pedir desligamento de suas atividades na escola dos Artífices. Passou a trabalhar, a partir de 1944, como correspondente na firma comercial Viana Braga & Cia, inaugurando a sua profícua carreira de comerciária. Chegou a compor a diretoria da Associação dos Empregados no Comércio de Juazeiro em 1946, tendo participado, nesse mesmo ano, do IV Congresso dos Trabalhadores Brasileiros. Continuou, entretanto, dando aulas particulares para jovens e adultos que desejavam ingressar em concursos ou ampliar os seus conhecimentos.
A tão sonhada nomeação para o magistério primário veio depois de 14 anos de esperas e dois concursos prestados. E, em 1950, a professora Lourdes Duarte pôde exercer o seu ofício de artesã do conhecimento, ocupando uma cadeira pública na cidade de Juazeiro. Foi empossada pela então delegada escolar Lília Café Siqueira e manteve regência de classe até 1966, tendo o Padre Anchieta como patrono da escola. Ao lado das professoras Maria Franca Pires, Renilde Teixeira Luna, Celita Dina da Cunha e Terezinha Ferreira Oliveira, fundou, em 1954, a Associação de Pais e Mestres de Juazeiro, que durante 20 anos atuou na ampliação do relacionamento entre a escola, a família e a comunidade, garantindo condições equânimes de aprendizagem aos estudantes primários daquela época, além da oferta de cursos de renovação do professorado e estruturação do cotidiano escolar com a inserção de equipamentos modernos, como o mimeógrafo, e metodologias inovadoras. A professora Lourdes Duarte ocupou ainda a administração educacional como assistente da Delegacia Escolar e a direção dos grupos escolares Hildete Lomanto e Nossa Senhora das Grotas, onde permaneceu até a sua aposentadoria em 1980.
A dedicação à área educacional do município de Juazeiro se somou às ações no campo social e religioso a partir de 1965, quando a professora Maria de Lourdes Duarte se tornou secretária do primeiro bispo de Juazeiro, Dom Tomás Murphy, de quem guarda saudosas lembranças. Entre tantas agremiações que dedicou o seu tempo, a sua sabedoria e a sua imensa solicitude, destacam-se as Voluntárias Sociais, a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), a Cooperativa Cultural de Juazeiro Responsabilidade Ltda e as Obras Sociais e Educativas da Diocese de Juazeiro. São tantos os seus feitos que é uma dádiva para Juazeiro tê-la como filha nesses 100 anos de história.
Em reconhecimento a tantos serviços prestados ao município, a professora Maria de Lourdes Duarte foi despertada neste dia 26 de junho pela Banda da Polícia Militar de Juazeiro, acompanhada por um coro de parentes e amigos. A tradição centenária de sua família está registrada na parede de sua casa, na rua XV de Novembro, em que repousa uma placa comemorativa dos 100 anos de sua mãe, dona Neném, festejado em 26 de agosto de 1991. O espaço para um novo registro centenário já está reservado. Logo mais às 18h será celebrada uma missa em Ação de Graças na Igreja Catedral Diocesana Nossa Senhora das Grotas e amanhã, dia 27, às 18h, o Auditório da Câmara de Vereadores de Juazeiro sediará uma Sessão Solene em homenagem e reconhecimento.
Há mais de dez anos, em meio a uma pesquisa sobre a história da educação em Juazeiro, a professora Lourdes Duarte confessou que, diante do destino inexorável reservado a todos nós (a morte), se um dia pudesse retornar ao planeta Terra, não teria dúvidas de que gostaria de nascer novamente na rua Visconde do Rio Branco. Juazeiro, segundo ela, é a terra onde “a gente vai se aprofundando cada vez mais e cada vez mais a gente assumindo a terra e a terra assumindo a gente”. Essa terra que chama, enxota, enlouquece, ama, como diria Antônio Torres. Essa terra que, nesta data e para todo o sempre, só resta desejá-la vida, saúde e boas novas.
Feliz Aniversário, Professora!
Por Luis Osete
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