Artigo: UAUÁ: MUDANÇAS CLIMÁTICAS X MUDANÇAS POLÍTICAS

24 de Jan / 2017 às 23h00 | Espaço do Leitor

Ao longo dos séculos nossa terra, nosso povo e nossos animais sofrem com as longas estiagens. Mas as secas, esse fardo que pesa sobre nossos ombros sertanejos nos faz mal? Ora a avarenta cobiça de nós homens e mulheres que aqui moramos ou trabalhamos seja talvez um mal pior que esse fenômeno natural. Desmatamos 93% da caatinga, matamos nossos rios, e os que ainda não matamos estamos o fazendo. Aramos nossas terras férteis para produzir mais rápido e causamos erosões. Construímos estradas, caçamos os animais silvestres, um por um, até extinguir muitos deles. Construímos nossas cidades e sobre elas, despejamos nossos esgotos e próximos delas nosso lixo. 

As secas que douraram e blindaram nossas árvores, que deixaram esse pedaço de Brasil Árido, distinto doutras florestas, as mesmas secas que constituíram um dos maiores e mais diversos ecossistemas do mundo – a caatinga, como entender essa variante climática? Ou como conviver com ela, qual é o seu histórico?

Nos registros do escritor e jornalista Euclides da Cunha, na nossa região, aparecem evidencias que as secas causaram sérios problemas nos séculos XIII e XIV para os povos que aqui moravam. Em seu mais famoso livro Os Sertões ele dedicou o capitulo IV ao assunto. Esse trecho do livro descreve o fenômeno como um grande pavor para as populações que ali habitavam: "Desse modo é natural que as vicissitudes climáticas daqueles nele se exercitem com a mesma intensidade, nomeadamente em sua manifestação mais incisiva, definida numa palavra que é o terror máximo dos rudes patrícios que por ali se agitam — a seca". Noutro trecho ele lista as principais secas desde 1710 aos dias que precederam o final da Guerra de Canudos: "Assim, para citarmos apenas as maiores, as secas de 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777- 1778, do século XVIII, se justapõem às de 1808-1809, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879...", (do século XIX.) Das citações de Cunha às mais recentes secas, ficaram conhecidas por nossos bisavôs ou bisavós, como contava minha tia-bisavó Idalina Dantas os seguintes períodos. Foram secos os anos de 1915, 1931-1932, 1934-1936, 1939, 1955, 1961, 1976, 1979-1985, 1993, 1998-1999 do século XX.

Mas nem só de seca viveu o homem do Sertão. Entre esses anos de estiagens que variaram de estado para estado, de região para região e de cidade para cidade. Na nossa Uauá, por exemplo, tiveram anos fartos. Esses foram os anos chuvosos, e os afortunados que viveram nessas épocas contam de boca cheia as histórias de farturas e enchentes dos riachos e rios. O grande problema do sertão nunca foi a falta d´água, mas sim a falta de justiça. No conflito de Canudos os "conselheiristas" lutaram por terra, mas sobre tudo por sobrevivência. Homens e mulheres negros, recém alforriados, índios e brancos pobres buscaram água e terras donde pudessem viver e cuidar de suas famílias. Enquanto poucos desfrutavam de grandes latifúndios, de boas aguadas, de armazéns abastecidos e providos das primeiras caixas da modernidade. Foi essa balança incerta de poucos privilegiados e muitos famintos que fez com que secas chegassem às proporções assombrosas de matar aproximadamente 500 mil pessoas no decorrer do século XX. Pós-império, como se sabe, numa jovem nação republicana, dominada pela burguesia e interesse estrangeiro o governo só tomou providencias de combate as mazelas das secas na estiagem de 1915 com a reestruturação do Instituto de Obras Contra as Secas (Iocs), que passou a construir açudes de grande porte. As secas continuaram e os Governos pouco fizeram para combatê-la, e nada fizeram para que as populações de nossa região pudessem aprender a conviver com esse acontecimento natural. Mas as secas passaram a ser flagelos nacionais depois dos anos de 1934 a 1936 período considerado o mais seco de todos os tempos. Nosso município teve grandes perdas Econômicas e um dos menores PIBs de sua história no ano de 1993. E em 1997, nas áreas semiáridas, chegou-se ao ponto de acontecerem saques em mercados, feiras e prefeituras das cidades sertanejas devastadas pela seca de 1997-1999. O século XXI começou com uma péssima noticia, o Rio São Francisco agonizou com a maior seca da sua história. Somado ao assoreamento, a seca reduziu drasticamente o volume de suas águas. A barragem de Sobradinho, a mais importante da nossa região, atingiu os níveis mais baixos de sua história. A água no local em 1º de novembro de 2001 estava a 6,3% da capacidade, que é de 34 bilhões de metros cúbicos. Uma década de descanso e voltamos ao pesadelo dos sertanejos. 

Estamos novamente enfrentando uma longa estiagem. Coincidentemente os inícios dos três séculos passados foram secos no Sertão. E nesse não está sendo diferente. Desde junho do ano de 2012 que não vemos enchentes em nossos quase quatrocentos riachos e no nosso Rio Vaza Barris. E diferente de outras secas e épocas, nessa estamos a par do problema. Temos acesso as tecnologias de previsão do tempo, vivemos numa democracia, alcançamos um nível econômico interessante, mas ainda não conseguimos entender que a seca não é um problema, senão um fenômeno periódico e natural o qual temos de nos preparar para conviver, assim como o fazem os europeus nos seus rigorosos períodos de inverno.

Não nos basta somente conhecer a linha do tempo das secas, nem sequer as várias faces cruéis das longas estiagens que assolaram nosso povo. É preciso estudar tecnologias de convivência com o Semi Árido, como o faz O IRPPA entre outras ONGs como a ASA e CAA, é preciso expandir políticas públicas de combate as mazelas (in)seca e pós-seca. Sobretudo é necessário educar o homem e a mulher do campo para aceitar a seca como um evento natural. E quebrar o paradigma de que só se resolve essa problemática com chuva. A chuva é substantiva, imprescindível para nossa labuta, mas é depois dela que vem a verdadeira luta do sertanejos. Se não estivermos preparados para recolher essas águas vindas de Deus não somos merecedores delas. E para quem fica lamentando aos céus, se queixando da seca, é melhor que se mude dessa terra como muitos o fizeram. Nessa terra só cultiva quem tem fé, quem acredita em si mesmo, quem faz por merecer ter nascido aqui. 
Mas, nós povo, precisamos urgentemente nos mover num grande mutirão de cobradores, porque nossas instituições públicas, as de jurisprudência e os seus técnicos remunerados pela federação para atuarem na área estão acomodados demais em suas poltronas para perceberem tudo isso. Usemos da democracia para combater as secas da desonestidade política, para inibir as injustiças sobre esse forte sol sertanejo. Usemos de nossas moedas, aquelas dadas por Deus, para desenvolvermos nosso lugar com sustentabilidade e visão de futuro sustentável. Nosso desafio é entender a seca como uma irmã brusca, que ora nos atinge severamente, mas que só assim nos faz ser esse "forte" povo sertanejo como disse o Euclides da Cunha. Se aqui estamos é porque "alguenluz" nos confiou essa missão de conviver com num clima inóspito como o do sertão de Uauá. Fugir dessa luta não será nossa escolha. Nosso sucesso parte do compromisso de juntos fortalecermos os movimentos e instituições de base que compõem a grande rede de pensadores para o desenvolvimento local sustentável dos Sertões. 

Para tanto, sugiro em tempo hábil, a realização de AUDIENCIA PUBLICA, onde juntos: IRPAA, AUCCO, COOPERCUC, COOPERBODE, CACHIU, SETAF, SINDICATOS RURAIS, FETAG, ASA, CETEP, ASSOCIAÇÔES AGROPASTORIS e COMUNITÁRIAS entre outras entidades que além de fé, multiplicam os seus talentos e desenvolvem trabalhos em beneficio da mulher e do homem do campo, possamos discutir o melhor uso dos recursos públicos e ações emergenciais para amenização do sofrimento do nosso povo e dos rebanhos de mais de 1 milhão de caprinos e ovinos. 
Pois, é sabido que não há por parte do município, apoio algum ao homem e a mulher do campo e ou subsidio para a reparação das perdas de seu rebanho e ou a manutenção dos sobreviventes; sabe-se também que o mesmo município, em ocasião, contraditoriamente aos discursos de recessão, despeja rios de recursos públicos para celebrar "festas", quando ao lado, nosso povo e nossos rebanhos passam sede; sabe-se também da grande falta de mobilidade e interversão dos gestores para a aquisição de insumos a preços mais baratos para o equilíbrio do cartel de rações em nossa cidade. Esses fatores somados a inércia dos responsáveis pelos serviços públicos municipais na atuação do setor agropecuário, da agricultura familiar e abastecimento de água, chegamos a fadiga de carregarmos em nossos "lombos" a velha cangalha com os velhos pesos da injustiça social, do descaso e ingerência dos recursos e aparelhos públicos. E hoje, ao analisarmos a atuação de outras instâncias dos poderes públicos, como o Governo Estadual e Federal, observamos o despautério de sermos abastecidos pela Operação Pipa com água salobra, color e com fedor de peixe, deixando todas as características da potabilidade da água: - Insalubre, incolor e inodora – nas entrelinhas do esquecimento; e ainda, somos sabedores de que tal operação, além de fornecer água de péssima qualidade ao consumo humano, tem uma dinâmica de distribuição injusta e insuficiente, pois é feita em proporcionalidade à quantidade de residências com a disponibilidade de metros cúbicos, e apenas uma família recebe a água em sua cisterna, ficando as outras famílias da comunidade e ou fazenda, incapazes de mobilidade, tanto por idade avançada, enfermidade e ou por deficiência física desabastecidas. 

Nesses tempos difíceis, fica mais fácil de acreditar nas mudanças climáticas, do que nas mudanças políticas. Já que sentimos na pele a veemência do clima e apenas pressentimos a violência sistemática, institucionalizada, que arrasa a nossa economia, e indiretamente, pela falta de atuação, devasta a fé dos caprinovinocultores, mulheres e homens da nossa terra, nessa facção política, que ora estar no poder. 

Quiçá, juntos somemos futuro diferente, para que em momentos como esse, não estejamos novamente despreparados e consigamos atingir um bom nível de qualidade de vida nos sertões. Por enquanto, resta-nos a fé, mas a fé em Deus, o que não falha, esse sentimento esperançoso que entorna as vidas sertanejas. Fé na vida em primeiro lugar, mas participativos e interventores na disposição política dos homens e mulheres públicos que detém do poder para realizar as sonhadas obras de combate e convivência com as longas estiagens. Assim sendo, e com Deus ao nosso lado, e com as moedas que Ele nos tem dado, devemos Lhe apresentar bons resultados, adquiridos pela justiça ao nosso suor e trabalho, daqueles e daquelas que acordam às 4:00 horas da manhã, se põem na suas labutas e vão se deitar às 20:00 horas da noite, porque dormir nesse tempo, ficou para quem não tem consciência. 

Por Robson Rodrigues
Pequeno Produtor Rural

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