Os brasileiros estão acompanhando no dia-a-dia sobre o andamento das tratativas da proposta de emenda à constituição de no. 241 que trata da imposição de limites aos gastos públicos. A despeito de uma possível boa vontade da medida em se estabelecer contenção de gastos, chama a atenção a celeuma que a medida vem causando, tanto em meio a opinião pública em geral, quanto no meio acadêmico, onde se tem visto posições a favor e contra à proposta. Em meio ao desenlace do modelo político-econômico adotado pelo Partido que vinha governando até meses atrás, as medidas que vem sendo propostas parecem visar ajustes emergenciais, mas que para tanto carecem de investigações mais estruturais.
Até entende-se que atitudes a base de “toque de caixa” são em razão das peculiaridades políticas que configuram a atual base de sustentação do governo no Congresso, mas tentar aprovar uma medida tão rigorosa nessas circunstâncias chama bastante a atenção e a cabe à sociedade e à mídia séria estarem mais atentos. Como é sabido, a PEC 241 propõe limitar os gastos públicos ao teto inflacionário, ou seja, se a inflação medida pelo IPCA for de 5%, os gastos públicos serão reajustados em no máximo este percentual, ainda que a economia (PIB) cresça 6% ou mais.
Uma das justificativas é um diagnóstico que afirma que a despesa pública atual configura um quadro procíclico, ou seja, a despesa tende a crescer quando a economia cresce e viceversa, e as medidas reverterão este quadro para uma situação anticíclica, ou seja, em que se terá uma trajetória constante para os gastos, ainda que a receita cresça. Cabe salientar, entretanto, que no texto que justifica a referida proposta, alguns pontos chamam a atenção, como o fato de que há um preocupante avanço da dívida pública em relação ao PIB que saiu de 51,7% do PIB em 2013, para 67,5% em abril de 2016, podendo chegar aos 80% em breve, e em relação a atual metodologia de definição da Lei de Diretrizes Orçamentarias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA) corrigidas por vezes inadequadamente, assim como chama a atenção o fato de, em meio a 3.753 palavras escritas no texto, a palavra “juros” aparece apenas duas vezes, ambas relacionadas a “Taxa” e nenhuma a ‘Gastos com”. Ou seja, quando se analisa os gastos públicos brasileiros, alguns números saltam aos olhos, e muitos são desconhecidos da população brasileira, como por exemplos os montantes de recursos anuais destinados à Educação (algo em torno de R$ 400 bi), Saúde (R$450 bi) e Juros da Dívida (pasme-se, algo em torno de R$ 500 bi). Para se ter ideia o programa bolsa família (que tem méritos e necessidades de ajustes) consome algo em torno de “apenas” R$ 26 bilhões anuais. Ainda que seja motivo de críticas e elogios, este programa atende a cerca de 14 milhões de famílias. Há de se perguntar a quantas famílias a rubrica juros atende (?).
A respeito da relação dívida pública/ Produto Interno Bruto, que quer se evitar chegar aos 80%, convém ressaltar que países desenvolvidos (nos quais a necessidade de gastos públicos teoricamente é menor) apresentam há décadas números como 81% na Alemanha, 86% na França, 103% nos EUA, e pasme-se novamente, 230% no Japão, onde as taxas de juros são ridículas. Ademais, preocupa esse garroteamento de despesas a despeito do crescimento econômico, pois é sabido que as demandas sociais excedem o próprio PIB no Brasil. Ou seja, a necessidade de investimentos em Saúde, (os hospitais, ou a falta deles, é um caso de horror), em Educação (os índices educacionais são uma tragédia), em Segurança (as ocorrências por falta de policiamento são cada vez mais alarmantes) e em infraestrutura básica, como transportes, por exemplo, são gritantes, necessidades típicas de uma país como o Brasil, que carece muito, mais muito mesmo, da presença do Estado, ou seja, de mais gasto público eficiente, eficaz e efetivo.
Há de se refletir, dessa forma, se a eficiência da medida não deve ser realmente questionada e se o que deve ser melhor discutido e ajustado é a eficiência e efetividade do gasto público. Ainda gera precário entendimento na medida, partes do texto onde constam que as despesas com a realização de eleições não serão afetadas, entre outros pontos passíveis de muita, mas muita discussão. Mas para tal é preciso que a sociedade, os meios de comunicação e as organizações representativas se inteirem, analisem, discutam e então possam emitir parecer mais abalizado sobre tal importante medida que pode nos afetar diretamente (para o bem ou para o mal) pelos próximos 20 (vinte) longos anos e que já passou em primeiro turno na Câmara indo agora ao Senado Federal. Ressalte-se, sobretudo, que não se pretende aqui desmerecer as tentativas de ajuste fiscal que devem efetivamente ser realizadas, mas determinadas medidas que merecem maior aprofundamento devem ser amplamente discutidas com a sociedade.
Por Márcio Araújo
Economista
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