Há cerca de um ano, manifestei a minha preocupação com o que indicavam as vazões do Rio São Francisco, medidas à época, nas principais estações implantadas no seu curso. Ainda mais temeroso, infelizmente, é o cenário que se vivencia ao longo deste ano, agravado pelas restrições de vazão praticadas por todo o período. As reduções significam, na prática, que a cada três dias, deixa de passar, abaixo de Sobradinho, o equivalente a um dia do que seria a vazão mínima estabelecida por razões ambientais para este trecho do Rio. Espantoso!
Mais assustador ainda é que tais medidas não conseguiram neutralizar, mas apenas retardar, o possível colapso das operações da geração de energia, já que a perspectiva de atingir o volume morto em Sobradinho é cada dia mais admissível. Questiono, então, o que comemoramos ontem (25/09), Dia Mundial dos Rios?
Em 9 de agosto deste ano, o governo federal baixou o Decreto nº 8.834, que institui o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PRSF), revogando o Projeto anterior para o Velho Chico, também criado por Decreto, em 5 de junho de 2001. A única diferença que há entre os referidos Decretos está no título. No primeiro, constava a palavra “Conservação”, agora suprimida, na versão mais atual.
Passaram-se 15 anos, e o que o São Francisco pode, realmente, afirmar quanto à existência de ações estruturantes e continuadas para a conservação e revitalização da sua Bacia? Lamentavelmente muito pouco e, sobretudo, muito menos diante do que essa Bacia já contribuiu para o País.O próprio Plano de Recursos Hídricos da Bacia, concluído e aprovado pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) há mais de uma década, já continha as ações que, caso tivessem em sua maioria, sido colocadas em curso, com certeza apresentaria um panorama muito mais favorável para uma área que representa 8% do território nacional e 7,5% da população brasileira. Infelizmente, as intervenções e ações realizadas, quando confrontadas com as previstas no Plano são irrelevantes.
Não é alentador perceber-se que no lançamento desse novo Programa foi dado mais destaque às informações sobre as obras para a conclusão do Projeto de Transposição, que as próprias ações relativas à revitalização, não obstante alguns valores declarados para investimentos com tal propósito.
A Bacia do São Francisco, contemplando todas as variedades de usos dos recursos hídricos - geração de energia, irrigação, dessedentação animal, navegação, saneamento, aquicultura e pesca, turismo e lazer -, exige e merece um tratamento diferenciado da União.
As crises hídricas, vividas ao longo da Bacia e mais inclementes na sua porção semiárida, podem ser caracterizadas como de caráter crônico e por isso têm que ser enfrentadas com posição firme do Governo Federal. É preciso estabelecer um percentual destacado em lei com a finalidade específica para as ações de recuperação e revitalização da Bacia, como já foi no passado.
Não basta proclamar a estimativa de que seis bilhões de reais devam ser investidos no Plano até 2026. A história recente de investimentos na Bacia, indevidamente liberados em espasmos e por isso mesmo de continuidade inconfiável, reforça a necessidade da instituição de um Plano que não represente apenas a vontade de um governo, mas que seja um compromisso do País com o Rio São Francisco. É vital lançar mão de dispositivos legais que garantam a disponibilidade de recursos para o cumprimento de cronogramas racionais e conseqüentes.
Sem tais garantias, corre-se o risco de se conviver com mais um período de faz de contas, e o São Francisco mais uma vez continuar sofrendo e se decepcionando. E, assim, o tão almejado Novo Chico não passará de uma ilusão, nos obrigando a conviver com o sofrimento do Velho Chico.
*Jorge Khoury é secretário municipal do Escritório Salvador Cidade Global
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