No dia 20 de janeiro deste ano, o jornal o Estado de São Paulo publicou, em caderno especial, longa reportagem sobre os 150 anos de nascimento de Euclides da Cunha. Trata-se, sem dúvida, da primeira de uma série de outras tantas publicações que, em 2016, haverão de homenagear o escritor nascido em Cantagalo, antiga província do Rio, em 20 de janeiro de 1866.
E não é para menos. Engenheiro, poeta, escritor, jornalista, Euclides da Cunha é um dos mais legítimos representantes da inteligência brasileira. Intelectual de escol, foi ele responsável pela descoberta de um Brasil que até então era desconhecido: o Brasil do interior. Para ele, a construção da identidade nacional brasileira teria de buscar seus fundamentos na profundidade do Brasil interiorano, pois era lá que estava “o cerne da nacionalidade”.
Dedicado aos estudos das questões brasileiras, conforme pontifica um dos seus melhores biógrafos – Olímpio de Souza Andrade – Euclides valeu-se “da ciência para examinar sob vários aspectos a conformação do território brasileiro, seus ares, suas águas, sua flora, sua fauna, bem como a evolução do povo brasileiro, ressaltando conflitos entre estágios diversos de civilização. Mas principalmente valeu-se disso tudo, com engenho e arte, assim vendo o que os outros não viam, e dizendo-o numa linguagem clara e precisa, de rara beleza”.
Com efeito, é esta a tônica de toda produção literária de Euclides da Cunha, sendo que Os sertões é a obra que melhor encarna a preocupação do autor. Dividido em três partes – a Terra, o Homem e a Luta – o livro empreende ampla e profunda abordagem acerca da geografia do Nordeste e dos tipos humanos que povoam essa parte do Brasil, culminando com o conflito entre o exército brasileiro e os heroicos habitantes de Canudos. Tem o texto o mérito de mediar o difícil e doloroso diálogo entre o “Brasil real e o Brasil oficial” – para usar uma expressão de Machado de Assis – despertando a atenção das elites políticas, econômicas e culturais para os inumeráveis problemas que faziam (e fazem) desta uma nação dividida entre o progresso do litoral e o atraso do interior. Pela primeira vez, no Brasil, uma obra de literatura assumia a discussão sobre os reais problemas do país e lançava as bases para a construção de uma sociedade mais justa e menos desigual.
Além d’Os sertões, há, na extensa obra de Euclides da Cunha, mais dois livros sobre a temática de Canudos: Caderneta de campo e Canudos: diário de uma expedição. O primeiro, publicado postumamente em 1975, traz uma série de anotações e croquis da época em que o escritor se achava no campo de batalha. O segundo, também publicado após a morte do autor, em 1939, reúne o conjunto de correspondências encaminhadas ao jornal O estado de São Paulo, informativo para o qual trabalhou o escritor na condição de enviado especial ao teatro da guerra. O acervo de informações reunido na Caderneta e no Diário seria de grande utilidade para autor, quando da feitura d’Os sertões.
Fora do chamado “ciclo d’Os sertões” (que compreende toda a literatura referente à guerra de Canudos), é Euclides da Cunha autor de outros três títulos notáveis: Perus versus Bolívia (1906), Contrastes e confrontos (1907) e À margem da história (1909), este último publicado depois da morte do escritor. As três obras reúnem artigos, ensaios e estudos produzidos por Euclides ao longo de sua atividade intelectual. Sua extensa produção literária inclui ainda correspondências, poesias, e um sem-número de crônicas e artigos publicados em jornais e revistas da época.
Como homem de ciência, sintonizado com o que havia de mais avançado no âmbito da intelectualidade, e imbuído dos ideais do positivismo – corrente filosófica que defendia o primado da razão como único meio de construção da civilização e, por conseguinte, da ordem e do progresso dos povos – além de intransigente defensor da causa brasileira, Euclides da Cunha foi firme e enérgico na defesa das suas convicções mais profundas. Acabou decepcionado com a República, após perceber que esta não conseguira atender à expectativa do povo brasileiro. E, uma vez decepcionado, tornou-se crítico ferrenho da forma de governo imposta pelo golpe militar de 1889.
Para Gilberto Freire “ele [Euclides da Cunha] foi a voz que clamou a favor do deserto brasileiro: Endireitai os caminhos do Brasil (O Brasil era o seu “sonho”) os caminhos entre as cidades e os sertões. Esta foi a grande mensagem de Euclides: que era preciso unir-se o sertão com o litoral para a salvação – e não apenas conveniência – do Brasil. Ninguém mais do que ele enalteceu tanto o sertão e o sertanejo. Em Euclides [prossegue o autor de Casa Grande e Senzala] a tendência foi quase sempre para engrandecer e glorificar as figuras, as paisagens, os homens, as mulheres, as instituições com que se identifica o vaqueiro, o sertanejo, o próprio jagunço. Até mesmo o negro dos sertões – sobrevivência do quilombola colonial – sai engrandecido de suas páginas”.
Salve Euclides! Salve o Brasil!
José Gonçalves do Nascimento
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