Artigo - Entre o Sigilo e a Liberdade: A Luta pelo Amor Livre em Tempos de Homofobia

08 de Jan / 2025 às 23h00 | Espaço do Leitor

Entre o Sigilo e a Liberdade: A Luta pelo Amor Livre em Tempos de Homofobia é o texto de Luan Barros  -  Aluno de jornalismo em multimeios da Universidade do Estado da Bahia, Campus III, Juazeiro, Bahia.

Confira: 

Viver em um dos países que mais matam a minha carne todo dia não é um desafio fácil. O Brasil há anos se encontra dentro do ranking de países que mais matam a população LGBTQIAPN+ do mundo. Segundo a Agência Brasil, no ano de 2023 a homofobia matou 272 pessoas LGBT+, sendo 59 delas homens gays. 93 desses casos foram registrados na região nordeste, que representa cerca de 36% dessas mortes. Embora conhecida por sua riqueza cultural e acolhimento, a Bahia também liderou o ranking da região. Em 2023, foram registrados 22 casos de mortes motivadas por homofobia no estado, segundo o G1. Esses números colocam o estado no topo entre as regiões mais perigosas para pessoas LGBTQIA+ no país.

Anderson Veloso, estudante de Psicologia da Universidade do Vale do São Francisco, relatou, em entrevista ao G1 em 2016, um episódio de violência homofóbica que viveu: “Eles pararam o carro, o cara colocou a arma e me mandou entrar. Disseram para não falar nada e me levaram para um lugar deserto, onde tinha muita areia e mato. Não lembro bem o lugar. Pensei que ia morrer. Um que era mais agressivo começou a me xingar, me chamando de 'viadinho', dizendo que era para eu ir embora que em Petrolina já tinha muito gay, se não eu ia morrer. Eles bateram muito na minha cabeça até que caí no chão e começaram a me chutar. Eu coloquei os braços e tentei me defender. A todo momento eles falavam que isso era só o começo, que isso iria se repetir, que eles já tinham me avisado”.

Esse relato, ocorrido em 2016, é um triste reflexo de uma realidade ainda presente. Em 2024, um novo episódio reforça isso: No dia 2 de dezembro do ano passado  a direção do IFBA Campus Jacobina emitiu uma nota de repúdio após um ato de homofobia ter sido denunciado dentro da instituição. O caso segue em investigação, sem detalhes concretos sobre o agressor. No entanto, esse ocorrido ressalta como até mesmo ambientes de ensino, que deveriam ser espaços seguros e de respeito à diversidade, estamos sujeitos a sermos violentados. 

 A homofobia é um termo que não se restringe apenas à violência física, ela se manifesta de diversas formas: desde o olhar atravessado na rua, passando pelas piadas à mesa de jantar, até as políticas que negam direitos fundamentais. Existe a homofobia direta, cruel e evidente, mas também aquela sutil, que se disfarça de "opinião" ou "tradição", mas que fere igualmente, e a mais cruel, a internalizada que se mostra quando as próprias vítimas começam a duvidar de seu valor e de seu direito, aceitando as normas sociais como naturais e irreparáveis, aceitando o ciclo de violência de maneira silenciosa.

Diante desse cenário, amar se torna um ato de coragem. Mais do que isso, quando homens se amam, eles desafiam estruturas históricas de poder que tentam apagá-los. Esse amor, vivido e expressado de diversas formas, é um grito de existência e resistência. Na música, essa luta encontra eco: artistas e canções dão voz a uma experiência que é tanto pessoal quanto coletiva. O amor entre homens, quando cantado e celebrado, se transforma em um ato político que desafia preconceitos e inspira mudanças.

“O que vai dizer de nós? Seus pais, Deus e coisas tais quando ouvirem rumores do nosso amor? Baby, eu já cansei de me esconder entre olhares, e sussurros com você, somos dois homens e nada mais” assim se inicia “Flutua” música do cantor Johnny Hooker em colaboração com a cantora Liniker que mostra exatamente esse cenário, onde o amor de dois homens existe mas é escondido e presos pelas amarras da sociedade. 

Cultura do sigilo-Desde muito cedo, nós, meninos, aprendemos que o "correto" é ter uma namorada, uma mulher, viver a vida daquela família tradicional brasileira. Nesse cenário, somos podados e, de certa forma, forçados a viver uma vida dupla entre o que é considerado "certo" e nossa realidade íntima. O escondido se torna um lugar confortável, mas, com o tempo, também se transforma em uma prisão sufocante. 

Vivendo numa sociedade que abomina as práticas homossexuais, quando um homem “hetero” encontra outro homem “hetero” que possui os mesmos desejos e vontades e está disposto a selar esse pacto de sigilo, o ato é realizado e ambos selam essa aliança e as suas vidas seguem longe do preconceito.

Os guetos, também chamados de pontos de pegação, são os lugares onde esses homens encontram refúgio dos olhares julgadores da sociedade. Normalmente situados em parques, praias, estacionamentos e orlas esses ambientes não são apenas pontos de encontros, são gritos de justiça para que as limitações impostas caiam por terra. Esses refúgios temporários carregam com si o peso de sempre lembrar que a homofobia  anda lado a lado com as práticas homoafetivas. Para muitos, esses locais representam o único espaço onde podem expressar sua verdade, ainda que de forma limitada e precária. Isso reflete a urgência de uma sociedade que permita que o amor e a sexualidade possam ser vividos plenamente, sem medos ou sombras.

Aplicativos de relacionamento, pontos de pegação, grupos secretos são ferramentas que alimentam e reforçam a cultura do sigilo, na qual os homens se aventuram para viver sua outra vida, aproveitar seus prazeres e, em seguida, retornar ao cotidiano como se nada tivesse acontecido. Esses espaços e práticas sigilosas existem para proteger esses homens de uma realidade que, paradoxalmente, eles mesmos ajudaram a criar: uma sociedade marcada pela homofobia, onde a aparência de normalidade é mais valorizada do que a liberdade de ser.

Desafiando a redução do amor 
Em meio a tantos segredos, lugares ocultos e histórias encobertas, existe o amor, que sempre será um desafio quando demonstrado entre dois homens. “Que safadeza!”, “Falta de respeito com os outros!”, “Eu respeito, mas não sou obrigado a ver” são algumas das frases que surgem diante da mínima demonstração de afeto entre um casal de homens, gestos que seriam considerados comuns e naturais entre um homem e uma mulher.

Ingressar em uma relação homoafetiva não é apenas uma questão de querer, mas também de coragem, desafios enfrentados e, de fato, de política. Amar sendo gay é, antes de tudo,  um ato de reflexão constante, é pensar em cada passo, cada palavra e ação, é viver com o temor de ser julgado ou rejeitado, e ainda assim ter a coragem de demonstrar tudo de maneira sincera. O amor gay, nesse contexto, se transforma em um símbolo de resistência nesse mundo que insiste em marginalizá-lo. 
Reduzidos a “seres sexuais”, ao pensar num cenário onde dois homens se relacionam, pelo contexto social, patriarcal e religioso, o amor que existe entre eles é reduzido ao sexo e a promiscuidade. Essa visão distorcida deixa de lado toda a profundidade emocional, a conexão afetiva e o compromisso que caracterizam qualquer relação amorosa. O amor entre homens, assim como em qualquer outra relação, envolve carinho, respeito e cumplicidade, mas o estigma imposto pela sociedade limita essa compreensão, associando a homossexualidade exclusivamente à sexualidade de forma vulgar, e não ao sentimento genuíno.

Esse estereótipo é alimentado por um discurso que põe os homens gays em um lugar onde viver relacionamentos plenos, com amor e intimidação, sem serem vistos como meros objetos de desejo é quase impossível. A exclusão de suas experiências afetivas e a objetificação contínua do seu amor reforçam uma ideologia que prejudica a igualdade e o respeito.

Em meio a tantas dificuldades e desafios, o amor entre homens segue sendo uma forma de quebrar barreiras, além de ser uma busca constante pela liberdade. Vivemos em um contexto em que o afeto entre pessoas do mesmo sexo é visto como algo menosprezado quando não marginalizado, e que reduz nossa humanidade a meros estereótipos.

No entanto, é justamente no enfrentamento dessa realidade que o amor gay se fortalece. Ele não se limita ao desejo ou ao prazer momentâneo, mas se constroi com base em uma conexão, afetiva e plena, capaz de enfrentar desafios e bater de frente com as normas enraizadas.
 Para amar de verdade, em um mundo que insiste em negar essa liberdade, é preciso mais do que coragem. Portanto, cada demonstração de afeto e cada gesto de amor, é uma pequena vitória sobre um sistema que tenta nos silenciar.

Por Luan Barros  -  Aluno de jornalismo em multimeios da Universidade do Estado da Bahia, Campus III, Juazeiro, Bahia

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