No Brasil marcado por desigualdades, há pessoas que parecem invisíveis, mas têm uma atuação indispensável para o bem-estar de suas comunidades. É o caso de quatro mulheres negras cujas histórias de vida a pesquisadora Claudia Adão contou em sua tese de doutorado, intitulada Territórios de vida: resistências, existências e produção de cuidado por mulheres negras. Claudia defendeu a tese na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP em 2023, sob orientação do professor Caio Santo Amore.
A agricultora baiana Maria Helena Caroba é uma das fundadoras do mundialmente premiado Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana). Trata-se de um grupo de mulheres nordestinas que trabalham como agricultoras no Viveiro Escola União de Vila Nova, localizado em São Miguel Paulista. Confira reportagem na integra Aqui-Jornal da USP.
Filha e neta de agricultores, Helena aprendeu com sua mãe a tradição da agricultura, apaixonando-se pelo cultivo ainda criança. Helena veio para São Paulo aos 18 anos, após a morte de seu pai. O objetivo era trabalhar como babá para ajudar sua mãe financeiramente. Apesar de não trabalhar com agricultura nessa época, Helena sempre cultivava vasos por sua casa. Foi esse hábito que fez com que alguns vizinhos a aconselhassem a participar de projetos sociais de cultivo.
Helena se reconectou com a agricultura nesses projetos. Ela relata que, na época, passava a maior parte do dia cultivando em projetos sociais da Zona Leste, pois encontrava refúgio de situações difíceis que vivia em casa com os filhos e o marido. Ao se encontrar com outras mulheres nos espaços de cultivo, surgiu a ideia da formação de um grupo, que foi chamado de Mulheres do GAU. A iniciativa cresceu e ficou famosa em várias partes do País e até mesmo fora dele. O grupo cultivava e doava sua produção para escolas e projetos sociais. Posteriormente, parte da colheita começou a ser vendida, o que possibilitou às Mulheres do GAU se sustentarem do trabalho na horta.
Helena saiu das Mulheres do GAU depois de 15 anos, sentindo que era o momento de experimentar novos ares. Há pouco mais de um ano, ela trabalha em um projeto ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no qual recebe ajuda de estudantes bolsistas para fazer uma horta próxima ao campus da universidade em Itaquera.
Helena relata sentir no cultivo parte da sua espiritualidade e vê na ajuda comunitária uma forma de conexão com seu passado familiar. “Eu sinto que minha mãe era aquilo ali, veio da minha avó. E o amor pela semente, gente, eu ouvia minha mãe falar das melhores sementes! Porque o avô dela fazia isso, a mãe dela fazia isso”, conta a agricultora.
Thereza Marcondes Costa, mais conhecida como Tia Thereza, foi benzedeira do Templo de Umbanda Pai Xangô e Vovó Luiza, localizado na Zona Leste, e uma figura muito ativa na Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha. Reconhecida como uma referência comunitária, Tia Thereza utilizava suas práticas espirituais não apenas como um ato de fé, mas como um meio de oferecer suporte às pessoas que enfrentavam dificuldades diversas, desde questões de saúde até conflitos familiares.
Como benzedeira, sua atuação era baseada em rituais tradicionais que ajudavam a aliviar dores físicas e emocionais. Práticas que, muitas vezes, preenchiam lacunas deixadas pelo sistema público de saúde. O espaço de seu templo e o de sua própria casa frequentemente serviam como refúgio para os moradores da comunidade. Durante períodos de crise, como enchentes ou momentos de tensão social, Tia Thereza mobilizava a ajuda necessária para atender aqueles mais vulneráveis.
Segundo a pesquisadora Claudia Adão, Tia Thereza tinha uma visão clara sobre o impacto de sua atuação, para além de suas ações imediatas. Para ela, a prática da benzedeira era também uma forma de resgatar conhecimentos tradicionais passados entre gerações, principalmente dentro das comunidades negras. Esse saber ancestral, segundo ela, tinha o potencial de fortalecer os laços comunitários e oferecer soluções práticas em contextos de desigualdade e exclusão.
Entre as mulheres retratadas na tese de doutorado, Tia Thereza foi a única que a pesquisadora não conseguiu entrevistar pessoalmente. Ela morreu aos 92 anos em 6 de março de 2022, três dias antes da data marcada para a entrevista. Tia Thereza deixou uma marca significativa na sua comunidade, onde seu trabalho continua sendo lembrado como um exemplo de como a espiritualidade e a ação coletiva podem transformar vidas.
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