Artigo: Joãozinho Trinta explica as eleições brasileiras

05 de Nov / 2024 às 23h00 | Espaço do Leitor

Para compreender as eleições consultei um grande especialista em Brasil: Joãozinho Trinta (1933-2011). Profissional de almas, aprecia o excesso: de cor, de brilho, de alegria. Vigarice, ele tira de letra. Para o ódio, prepara um solvente. Navega com desenvoltura em diversas tribos. Não deixa ninguém de fora: deprimido, ansioso, grosso, fino, desajustado, ajustado, chato. Assombração é destaque. Coloca todo mundo na rua, num descarrego necessário para quem vive em Pindorama.

Em tempos de fantasmas, Joãozinho faz sucesso. Explica o inexplicável.

João faleceu em 17 de dezembro de 2011. Morreu para alguns. Para outros está vivíssimo, oferecendo serviços especializados para enredos e alegorias políticas. Como pai-de-santo, organiza também grupos de discussão sobre realismo fantástico, com foco na América Latina. Ágil nos negócios, conquistou nove títulos na primeira divisão. Sua vasta experiência em despachos criou vínculos sólidos com diversos fantasmas, favorecendo seus aconselhamentos para as escolas de samba e campanhas eleitorais. Seu sucesso deu origem ao escritório Trinta Advogados Associados, a melhor assessoria brasileira para carnavais e política.

Joãozinho garante: nascemos num continente fabuloso.

Muita gente discorda de Joãozinho.

Explico melhor. Trata-se de um mundo construído com fábulas, histórias maravilhosas, um país onde só faz sentido se a ideia surgir pelo avesso. A metáfora é o método. Se a palavra é, por exemplo, falta de… procure o seu antônimo, fartura, para compreender como se monta um enredo para uma escola de samba ou como se faz uma campanha política.

Sugiro a palavra fartura.

Fartura é o inverso de falta, explica Joãozinho. Fartura de fantasias, excesso de mentiras e overdose de ódio. O oráculo anda desafiando o continente todo, do Alasca ao Chuí. A minha sugestão é ler as entranhas, o fígado dos bichos, misturar literatura realista com a fantástica. O falecido Machado (de Assis), aqui presente, garante. Nada supera, em precisão, a análise de um morto.

Seguindo o rumo sugerido por Machado (de Assis), João (Trinta) agregou dados estatísticos à sua análise. Na aparência, os resultados das eleições são estrambólicos. Inexplicáveis para quem não conhece a alma dos brasileiros. Consultei diversos fantasmas para conhecer a lógica inusitada aprimorando o raciocínio. O acerto da empresa, Trinta Advogados Associados, cresceu a ponto de gerar um selo de garantia para os produtos: ISO bilhoemendas. Um selo de qualidade dos serviços prestados, com resultados secretos, direto ao contratante, via pix. Dinheiro certo.

Explico: as hipóteses feitas pelos mortos do Trinta Advogados deram prioridade para as sugestões de animais mortos. Eles são inteligentes e têm coração. Um repositório afetivo, tanto com seus semelhantes animais, como com alguns humanos. Animais falecidos, nas eleições da Argentina, tiveram papel decisivo. Foram objetivos e eficientes. Já o espectro dos diplomados em economia tumultuou as conversas, impedindo acordos. A nuvem, lugar de moradia dos economistas, é naturalmente tensa. Conseguiu ficar pior com a chegada de dois outros economistas: Maria da Conceição (Tavares, 1930-2024) e Antônio (Delfim Neto, 1928-2024). Ninguém consegue dormir naquela nuvem. Tudo voa. Cadeira, tridente e martelo. Optamos por esperar os ânimos se acalmarem e escutar a bicharada. Os cachorros avisaram. Não tem jeito, na Argentina vai ser necessário a desgraça aumentar, para depois tentar salvar o que sobrar de bicho e de gente. No mundo animal tivemos desavenças apenas com pássaros fantasmas, verdes, de bico comprido, zangados por princípio. Beija-flor é pássaro bonitinho, animalzinho belicoso.

Joãozinho entrou na discussão:

“Logo eu, carnavalesco da grande Beija-Flor, falando mal dos verdinhos. Quantas vitórias consegui para ela, uma escola de nome de pássaro! O beija-flor participou por muitos anos de uma consultoria para os mexicanos. Voando para frente e para atrás mantiveram o PRI, Partido Revolucionário Institucional no poder, de 1929 até 2000. O nome, ao mesmo tempo revolucionário e institucional, guarda o feitiço nas palavras, aparentemente opostas. Por expressar uma contradição, vivem sem ela, comemorando anualmente, como manda a tradição, os mortos, garantidores da estabilidade.

O pássaro verdinho cansou da mesmice de tantas ‘revoluções institucionalizadas’, e migrou. Foi bater as asas nos ouvidos dos venezuelanos, a mando do falecido Hugo Chaves (1954-2013). Não se pode esquecer. Na origem o beija-flor, conhecido no México como Deus da guerra, Huitzlopochtli, foi o fundador da cidade de Tenochtitlán (México). Herói muitas vezes comparado com Hércules, foi levado à loucura por Hera, sua progenitora. No nosso panteão dos mortos temos que entender as coisas pelo avesso e pela loucura”.

Trinta Advogados Associados ficou conhecido, amado e criticado, com a frase de João, o Trinta: “Quem gosta de miséria é intelectual. Pobre gosta de luxo”. Aproveitando esse insight, o parecer do escritório no passado sugeriu a junção entre a Marta Suplicy e a periferia. Foi um sucesso. Ela arrasou. Um luxo: inteligente, elegante, bonita, metia a mão na massa. Mulher na política sabe fazer.

Agora, nesta última eleição, o candidato para se contrapor à direita não respondeu ao imaginário da periferia. Ele apostou em um semelhante, em um igual. Não desenvolveu, ao longo de sua trajetória política, a linguagem do avesso. Quem mora na periferia e enfrenta os desafios da vida em comunidades, sonha mudar, morar num lugar mais arrumado, com sol entrando pela janela, muitas torres de internet, uma escola com disciplina, com mãe em casa cuidando da criançada. O que empurra a vitória, provável, é o sonho, não a realidade. O sonho é mudar, conseguir seguidores, ganhar dinheiro postando na internet um vídeo de sucesso, sem a fumaça dos carros, congestionamento, trabalho pesado. Viver o luxo para além do carnaval.

As explicações são necessárias porque fantasmas são fantasmas, escapam à lógica, ao racional.

Feitas estas considerações gerais, podemos passar para o início de outra conversa.

Como explicar o resultado das eleições, Joãozinho?

Simples, disse ele. Trinta Advogados Associados explica:

1. Toda a história começa assim: Era uma vez o dinheiro. Pobre não gosta de pobre. Os motivos são óbvios.
Quem pode oferecer comida para quem tem fome?
— Quem vive na fartura tem sobra para dividir. Generosidade faz parte do espírito aristocrático.
Quem pode arranjar serviço para quem não tem emprego?
— Negociantes precisando de gente para trabalhar.
Quem paga um trago na mesa do bar?
— Quem tem dinheiro no bolso.
Quem oferece cigarro?
— Quem já abriu o maço.

Campanha política vende sonhos. Projetos só depois das eleições. Confira texto na Integra AQUI Jornal da USP

Por Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Jornal da Usp

© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.