Após uma explosão do modelo home office/híbrido durante a pandemia – e que perdurou por um tempo depois –, agora parece que o movimento mudou de direção. Amazon e Google, além de bancos e big techs, têm restringido trabalhos on-line e trazido de volta seus trabalhadores para os escritórios. Isso apesar de o modelo on-line, pelo menos por parte dos trabalhadores, ter se provado um sucesso.
Uma pesquisa do Datafolha indicou que metade dos brasileiros prefere o trabalho remoto ou híbrido. Já uma pesquisa internacional da Bare indicou que 70% dos que atuam nesses modelos seriam relutantes em voltar ao totalmente presencial. Por outro lado, a decisão das empresas indica que a aceitação pela parte corporativa não foi tão grande assim.
A professora Ana Cristina Limongi, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, com linha de pesquisa em gestão de pessoas e qualidade de vida, explica que a volta ao presencial está relacionada ao “fortalecimento da cultura organizacional, melhora do padrão de comunicação e o fortalecimento da identidade com a própria organização”. Além disso, ela complementa que a agilidade e contato direto nas decisões e processos também pesaram para essa virada de maré.
Por parte dos gestores, pode ser que ainda não se descobriu por completo como integrar o home office nas rotinas de alguns trabalhos. Organizar uma equipe através de telas soluciona alguns problemas enquanto cria outros novos, e há quem não consiga se adaptar a isso. “Há uma certa insegurança dos gestores de alguns times de que enquanto não olham nos olhos pode haver um desvio muito grande de decisões, de crenças e de entregas”, afirma ela.
Na opinião dela, a demanda dos gestores tem a ver “com o controle, com a disciplina e com o fortalecimento das relações”. Isso do ponto de vista mais corporativo, mas há também hipóteses mais subjetivas, ou seja, que os gestores estejam tendo dificuldades em transportar sua figura de autoridade para o modelo on-line: “Pode estar relacionado também com uma própria insegurança pela distância, falta de credibilidade e afins”. Como conclusão, Ana Cristina diz não acreditar que a troca do modelo home office para o presencial tenha relação com produtividade, mas sim com as relações de trabalho. “Tem a ver com segurança psicológica, qualidade de comunicação e rapidez de decisão.”
Deveres dos empregados-Já Tania Casado, também da FEA, tem opiniões um pouco destoantes. Ela concorda que não necessariamente um modelo vai ser mais produtivo que o outro, mas que o home office abre espaço para que funcionários menos maduros tenham vez. A professora dá razão em parte aos receios dos gestores: “Se por um lado há pessoas que usaram o home office como uma oportunidade para uma melhor integração entre vida pessoal, familiar e profissional, por outro há muita gente que não usa plenamente o tempo à execução das suas atribuições”, explica ela.
Tania Casado diz não querer “nem colocar o funcionário como preguiçoso nem o líder como o bicho papão”, no sentido de que não há uma resposta absoluta e definitiva. No entanto, ela é enfática ao falar que nem todos se provaram profissionais maduros o suficiente para assumir as responsabilidades que vêm com os benefícios do home office. “‘Maduros’ eu digo que são pessoas que entendem o seu papel profissional, seu papel como família e seu papel na sociedade”, complementa.
A volta do presencial, então, tem relação também com esse tipo de empregado. Segundo ela, se por um lado não há uma relação direta entre home office e menos produtividade, há uma relação entre home office e profissionais que não querem cumprir os acordos do trabalho. “Tem gente que ainda está numa condição de trabalho de que precisa ter alguém supervisionando diretamente”, conclui ela.
Perspectivas futuras-O modelo home office, ainda assim, oferece diversos benefícios. Do ponto de vista urbanístico, reduz o trânsito e o preço dos aluguéis, enquanto que de uma perspectiva individual pode contribuir com mais tempo livre e menos estresse de deslocamento. Após uma aderência em massa a esse modelo durante a pandemia e uma relativa estabilidade alguns anos depois, o home office agora recua por diversos fatores. Tania Casado lembra que, fora problemas de trabalho, questões de gênero também são um ponto de atenção, pois algumas mulheres acabaram “dobrando o turno” e ficando sobrecarregadas com as demandas domésticas e profissionais simultaneamente.
Para que os pontos positivos do on-line sejam usufruídos, tanto Ana Cristina quanto Tania concordam que os trabalhadores precisam provar para as empresas suas capacidades de se autogerir – ou seja, cumprir seus deveres mesmo longe do espaço físico de trabalho. Enquanto o home office for usado como escape das responsabilidades, a tendência é que haja conflito com o corporativo, e com isso a restrição dessa flexibilidade.
Pesquisa em andamento-O Grupo de Pesquisa sobre Gestão Estratégica de RH e Relações de Trabalho da FEA/USP e da FIA Business School realiza pesquisas sobre os impactos do processo de migração para o home office e o trabalho híbrido para as pessoas e para as organizações. Já foram realizadas duas rodadas de pesquisa, a primeira em maio e junho de 2020, a qual abordou o público que estava em trabalho remoto durante a pandemia.
A segunda, em junho de 2022, foi realizada quando o trabalho presencial já era uma realidade. Agora, porém, uma nova pesquisa – que teve início em 21 de outubro e segue até 8 de novembro – pretende verificar como estão trabalhando as pessoas que se encontram em home office total ou em regime híbrido. Nesse terceiro ciclo, o projeto conta com o apoio da Sobratt (Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades), associação que se dedica ao tema do teletrabalho há mais de 20 anos.
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