Sousa, na Paraíba, registrou, em 1989, o último caso de poliomielite no Brasil. Encerrava-se, há 35 anos, a disseminação de uma doença altamente contagiosa, cujas sequelas marcam o corpo e a memória de quem testemunhou os surtos ocorridos no país desde 1968. No período, foram 26.827 registros de infecção por poliovírus, que, em casos graves, leva a paralisias irreversíveis – a maioria em crianças.
Cinco anos depois do caso paraibano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que a poliomielite tinha sido oficialmente eliminada do território nacional. Agora, a mesma agência das Nações Unidas alerta que o Brasil faz parte da lista de países com risco “altíssimo” de retorno da também chamada paralisia infantil, o que demanda uma reação rápida e bem estruturada das autoridades de saúde.
A baixa cobertura vacinal é o principal motivo para essa situação de alerta máximo. Desde 2016, a taxa de imunização do Brasil está abaixo da meta de 95%, aumentando o risco de retorno da circulação do poliovírus. Em 2021, 71% do público-alvo – crianças abaixo de 5 anos – foi imunizado. No ano seguinte, o número subiu para 77% e chegou a 86% em 2023, segundo o Ministério da Saúde.
Algumas unidades da Federação se aproximaram ainda mais do patamar recomendado pela OMS, ultrapassando a cobertura de 90%, como Ceará, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. Há de se destacar o esforço do novo governo para reverter um movimento de negação aos benefícios das vacinas, que ganhou força com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República.
Surge, agora, um novo desafio. O Ministério da Saúde vai substituir as duas doses de reforço com gotinhas por uma dose injetável. A pasta argumenta que a decisão é baseada em evidências científicas e segue recomendações internacionais para deixar o esquema vacinal ainda mais seguro – Estados Unidos e países da Europa já adotaram o novo modelo, por exemplo.
Não se pode desconsiderar, porém, que há a possibilidade de a mudança virar combustível para a disseminação de fake news, podendo, inclusive, comprometer os avanços recentes na imunização.
Considerando que a alteração ocorrerá até o próximo dia 4, como anunciou o ministério, a adoção, o quanto antes, de uma campanha robusta sobre os benefícios do novo esquema vacinal contra a poliomielite pode ajudar a conter possíveis efeitos do negacionismo.
O próprio Zé Gotinha, marca nacional da luta contra a paralisia infantil e que não será aposentado pelo governo, pode impulsionar uma investida federal de esclarecimento sobre o novo protocolo, evitando que esse processo se limite a iniciativas no âmbito estadual ou municipal.
Uma mobilização de grandes proporções também se justifica pelo fato de países vizinhos voltarem a registrar casos de paralisia infantil. Um bebê indígena do Peru foi diagnosticado com a doença em março do ano passado. O distrito em que ele vive fica a cerca de 500 quilômetros da fronteira com o Brasil. Em 2018, um surto de poliomielite na Venezuela também acendeu o sinal vermelho entre médicos brasileiros. Os venezuelanos estavam livres da doença havia 30 anos.
Áreas fronteiriças representam um risco ainda maior de reintrodução do poliovírus no Brasil, porque nesses lugares há a combinação de baixa cobertura vacinal e grande fluxo de pessoas e mercadorias, favorecendo a circulação do vírus altamente contagioso.
A região das Américas foi a primeira do mundo a eliminar a doença, conquista lembrada em todo 24 de outubro, Dia Mundial de Combate à Poliomielite. O Brasil, como uma liderança regional, precisa dar o exemplo. Vacinar as suas crianças é expressão de afeto, de respeito à vida e à coletividade. (Texto publicado no Jornal Estado de Minas)
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