Recentemente, em uma palestra a respeito da inteligência artificial (IA), o palestrante recebeu a incômoda e desafiadora pergunta: a profissão de professor vai acabar, com o aprimoramento da inteligência artificial? Prontamente, minha mente irrequieta se pôs a trabalhar, em busca da resposta. Antes de pensar propriamente na carreira docente, viajei por outras profissões, refletindo acerca do impacto das novas tecnologias nelas e na vida, de modo geral.
Lembrei-me especificamente de um fato ocorrido e noticiado em março de 1998. Eis o lide da notícia da Agência Folha: o cirurgião cardíaco Francisco Gregori admitiu ter usado cola do tipo “super bonder” em uma operação no coração da aposentada Joana Woitas, 69. A operação foi realizada há um ano no Hospital Evangélico de Londrina (PR).
Na sequência, o médico explica que, “depois de tentar a sutura por quase uma hora, não havia mais o que fazer”, daí a medida arriscada, entretanto, felizmente, bem-sucedida. Por curiosidade, perguntei hoje ao ChatGPT se era possível utilizar cola instantânea para colar o tecido do coração humano. A resposta? Foi a seguinte: a cola instantânea, como a "super bonder", não é adequada para colar tecidos biológicos como o coração humano. Essas colas podem ser tóxicas para as células e não possuem a flexibilidade ou compatibilidade necessárias para serem usadas em tecidos vivos. [...].
Repare, caro leitor, que não perguntei se era adequado usar, mas sim se era possível. Obviamente, o cirurgião bem sabia que não era recomendável, de modo que o produto não constava da bandeja cirúrgica e nem mesmo havia no hospital, tendo sido comprado em um posto de gasolina próximo.
Certamente, serei repreendido pela pobreza do meu prompt. É justamente aí, porém, que está, a meu ver, a questão relativa ao papel do professor no século 21: ensinar o aluno a explorar com ética e sabedoria o novo recurso, a formular perguntas eficientes. O fato é que nunca fez tanto sentido como agora, com a popularização da IA, este pensamento de Albert Einstein: “Não são as respostas que movem o mundo, são as perguntas”.
Surge, nesse cenário, uma condição essencial para a sobrevivência do professor nestes novos tempos: despir-se da “arrogância acadêmica” arraigada na formação de muitos docentes e reconhecer que nossa função precisa ir muito além da transmissão de informações, as quais podem ser obtidas em segundos por meio dos chatbots. Então, adeus aulas meramente expositivas!
Outro desafio para a mudança paradigmática da profissão é o uso da criatividade para aguçar a curiosidade das crianças e jovens, para desenvolver o pensamento crítico, bem como para promover a interação entre o sujeito e o conhecimento, envolvendo os atores do processo educacional em uma aprendizagem verdadeiramente significativa, isto é, que dialogue com as experiências de vida que todos trazemos e dê sentido àquilo que é estudado.
Por último, e não menos importante, precisamos entender que educação implica – e sempre implicará – vínculo. Sofisticados robôs podem conseguir captar e até imitar emoções humanas, mas não têm o que reconhecemos pelos sentidos no contato com os outros: alma. Já a nossa humanidade nos dá a capacidade de perceber quando alguém interage conosco maquinalmente.
Ênio César de Moraes-Coordenador do ensino médio no Colégio Presbiteriano Mackenzie de Brasília (Texto publicado originalmente no Jornal Estado de Minas)
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