Eleições: médicos mostram como debates na campanha podem reduzir até 2 anos de vida dos candidatos

03 de Oct / 2024 às 16h00 | Variadas

Concorrer a um cargo público, em especial aos que estão em disputa esse ano, é provavelmente uma das atividades mais estressantes em que uma pessoa pode se envolver. O sono, a alimentação e os momentos de lazer ficam prejudicados por meses. O ambiente da campanha eleitoral é agitado e turbulento.

Nenhum dia é igual ao outro, obstáculos podem vir de qualquer direção e não há tempo para pausas nem espaço para erros. É de se esperar que esse ritmo traga consequências para a saúde das pessoas envolvidas nessa atividade. Especialistas ouvidos pelo Globo afirmam que, de fato, essa é uma escolha muito radical e onerosa para a saúde física e mental.

O psiquiatra Rodrigo Martins Leite, coordenador do Programa de Psiquiatria Social e Cultural (Prosol) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (IPq), alerta que muitas pessoas tendem a pensar nas consequências do estresse para a saúde mental.

Mas um estado de estresse contínuo, como o vivenciado pelos candidatos nesse período de campanha, afeta o organismo como um todo, levando a alterações cardiovasculares, metabólicas, gastrointestinais, imunológicas, dermatológicas, entre outras. A ausência de uma alimentação equilibrada, da prática de exercícios e uma alimentação ruim ajudam a impulsionar esse processo.

— O nível de pressão, de estresse e privação de sono enfrentado pelos candidatos é muito deletério para a saúde física e mental — afirma Leite.

Para Ashley Weinberg, professor sênior de psicologia na Universidade Salford, no Reino Unido, e autor de livros sobre o bem-estar no trabalho e o funcionamento dos políticos nacionais, o “inesperado”, como uma grande mudança repentina na opinião pública ou um evento que está além do controle dos candidatos, é o que pode transformar a intensa pressão desse período em algo suscetível de afetar a saúde física e mental dos candidatos. Outro ponto que crítico são críticas excessivamente pessoais.

— Minha pesquisa descobriu que onde os políticos sentiam que tinham baixos níveis de controle sobre os eventos, eles eram mais propensos a experimentar um impacto negativo em sua saúde mental — diz Weinberg.

Essas consequências podem ser de curto, médio e longo prazo.

O estresse é uma reação física, mental e emocional do corpo a mudanças no ambiente. Um episódio de estresse agudo, como ficar preso no trânsito, causa um aumento na frequência cardíaca, da pressão arterial e da intensidade da contração do músculo cardíaco, além de liberação de hormônios como adrenalina, noradrenalina e cortisol. Isso é conhecido como a resposta de luta ou fuga. Uma vez que o episódio passou, o corpo retorna ao seu estado normal.

ntretanto, quando a pessoa entra em um estado de estresse crônico, essas alterações persistem e isso aumenta o risco de problemas de longo prazo no coração e nos vasos sanguíneos.

— O estresse promove o aumento de diversas substâncias, como adrenalina, circulando no sangue, que podem aumentar a pressão arterial, a frequência cardíaca, promover aterosclerose e prejudicar o coração — alerta o cardiologista Marcelo Franken, diretor da SOCESP - Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e gerente do programa de cardiologia do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Estudos mostram que o estresse prolongado pode contribuir para a inflamação no sistema circulatório, particularmente nas artérias coronárias, e dos níveis de colesterol. Além disso, nessa rotina, ou melhor, nessa falta de rotina, é difícil controlar os fatores de risco para doença cardiovascular, como manter a alimentação equilibrada, o sono em dia, a prática regular de atividade física e o controle de doenças mentais, como depressão e ansiedade.

— A privação ou a má qualidade de sono é considerada um fator de risco cardiovascular muito importante. O excesso de sódio atrapalha no controle da pressão arterial. O excesso de gordura, no controle do colesterol e triglicérides e o excesso de carboidrato, no controle da glicemia e também dos triglicérides — explica Franken.

Basta lembrar da famosa cena, repetida à exaustão por todos os candidatos, do pastel na feira, do cafézinho nos comícios, caminhadas e eventos durante a campanha eleitoral e claro, os estresses nos debates políticos.

Tudo isso aumenta o risco de infarto, acidente vascular cerebral e arritmia. Também pode haver aumento do risco de trombose na perna, devido a viagens muito longas.

Imunidade-O estresse libera cortisol, o hormônio do estresse. Pontualmente, esse aumento do cortisol pode aumentar a imunidade, limitando a inflamação. Por outro lado, altos níveis constantes desse hormônio podem dificultar a resposta anti-inflamatória do corpo e causar infecções contínuas, de acordo com estudos recentes de pesquisa em imunologia.

O estresse também diminui os linfócitos, os glóbulos brancos que ajudam a combater a infecção. Quanto menor o nível de linfócitos, maior o risco de vírus, incluindo o resfriado e o herpes labial.

— Existe uma disfunção importante do sistema imune associada a essa cascata de alterações orgânicas que o estresse gera, expondo as pessoas a infecções e até mesmo a uma desregulação da imunidade, o que pode aumentar o risco de fenômenos autoimunes — pontua Leite.

A inflamação crônica promovida pelo estresse pode contribuir para o desenvolvimento e progressão de muitas doenças do sistema imunológico, como artrite, fibromialgia, lúpus, psoríase e doença inflamatória intestinal. A falta de sono e a alimentação inadequada também contribuem para a queda das defesas naturais, intensificando ainda mais esse impacto na imunidade.

Diante de situação desafiadora, ameaçadora ou incontrolável, o cérebro inicia uma cascata de eventos envolvendo o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, que é o principal impulsionador da resposta ao estresse endócrino. Isso acaba resultando em um aumento na produção de glicocorticóides, que incluem o cortisol.


Esses hormônios são importantes para regular o sistema imunológico e reduzir a inflamação. Mas, de forma crônica, o estresse pode prejudicar a comunicação entre o sistema imunológico e o eixo HPA, o que está associado ao desenvolvimento de problemas como fadiga crônica e doenças metabólicas.

O cortisol eleva os níveis de glicose no sangue e mobiliza ácidos graxos do fígado para ajudar o corpo a se preparar para a resposta ao perigo. No entanto, a persistência dessa reação aumenta a resistência à insulina e predispõe ao diabetes, obesidade, problema de colesterol e aceleração do processo de ateroclerose.

O endocrinologista Paulo Miranda, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), também alerta para a possibilidade de descompensação e piora no controle de doenças existentes.

— O diabetes, por exemplo, exige atenção na alimentação, prática de atividade física e uso regular da medicação. Se a rotina não envolver uma manutenção desse processo do tratamento, pode levar a uma descompensação da doença — conclui.

Com o estresse de início súbito, os músculos ficam tensos de uma só vez. Quando o estresse passa, essa tensão é liberada. Por outro lado, se esse estado não passar, os músculos do corpo ficam em um estado de constante de vigilância. Isso pode ocasionar desde cefaleia tensional e enxaqueca até condições dolorosas crônicas secundárias a distúrbios musculoesqueléticos.

O Globo/Folha Pe Foto TV Cultura

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