O Ministério da Saúde do Brasil está em processo de criação de um grupo interministerial de trabalho para abordar o crescente vício em apostas e jogos de azar, um tema que tem ganhado destaque na sociedade. Especialistas alertam que a falta de dados precisos sobre a realidade desse vício no País é uma das principais barreiras para a implementação de políticas eficazes. Atualmente, o governo admite que não possui informações confiáveis sobre a incidência do problema, o que dificulta a tomada de decisões informadas.
Recentes estudos revelam que 28 milhões de brasileiros, aproximadamente 18% da população, já realizaram apostas on-line em algum momento de suas vidas. Dentre esses, mais da metade admite ter perdido mais do que ganhou, o que indica um cenário preocupante de dependência e endividamento, especialmente entre aqueles que recebem benefícios sociais. Essa situação exige uma abordagem urgente e integrada para mitigar os danos à saúde pública. O psiquiatra Rodrigo Machado, do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, comenta a respeito dos malefícios do comportamento adictivo.
“A gente está falando de um comportamento que é altamente persuasivo para o cérebro e de muitas pessoas que podem estar em vulnerabilidade e alto risco para o adoecimento em função desse comportamento. Então, criar um grupo, trazer junto especialistas da área da saúde, especialistas em saúde pública, especialistas em jogo de azar para discutir e criar mecanismos para minimizar o adoecimento é algo fundamental. E tem medidas, sim, que podem ser factíveis, que podem ser realistas”, afirma.
Ele ainda ressalta que o tema é altamente relevante e merece atenção prioritária e critica a falta de iniciativas em saúde pública para lidar com o vício em jogos de azar, mencionando que campanhas de conscientização são quase inexistentes. O especialista destaca que a publicidade relacionada a jogos de azar tem proliferado, especialmente nas plataformas digitais, atingindo uma audiência vulnerável. E comenta acerca dos efeitos das apostas no cérebro, comparando seu impacto ao uso de drogas.
“Da mesma forma como nas substâncias químicas, a gente fala em substâncias que têm maior potencial adictivo e substâncias que têm menor potencial adictivo, por exemplo, a maconha. Ela tem potencial adictivo, mas a gente sabe que é um potencial menos devastador e menos rápido para você adquirir essa adicção do que uma heroína, por exemplo. Então, a gente não pode colocar exatamente no mesmo balaio com drogas, porque elas têm potenciais diferentes de persuasão do nosso cérebro de estímulo de gratificação. Mas o que une todos esses comportamentos é o estímulo a centros que processam o prazer e a recompensa no nosso cérebro ”, disserta.
A legalização rápida dos jogos de azar no Brasil, sem discussões adequadas sobre as implicações para a saúde, resultou em um aumento significativo no número de apostadores. Machado enfatiza que para enfrentar esse problema é crucial integrar especialistas em saúde e jogos de azar em um esforço colaborativo. A criação de um grupo que considere a saúde como prioridade é um passo fundamental, mesmo que tardio, para prevenir o adoecimento.
Um dos principais desafios é a falta de dados epidemiológicos que possam indicar quantas pessoas realmente estão em situação de vulnerabilidade devido ao vício. A escassez de recursos para pesquisa e o financiamento limitado na área de saúde dificultam a obtenção de informações essenciais. Isso impede a criação de políticas eficazes e a implementação de campanhas de conscientização.
A acessibilidade das apostas on-line, facilitada pela tecnologia, tornou o vício ainda mais comum, especialmente entre os jovens. Machado destaca que a gamificação das plataformas de apostas as torna mais atraentes e sedutoras, aumentando o risco de dependência entre os adolescentes. A falta de regulação e a proliferação de propagandas em ambientes digitais tornam o cenário ainda mais alarmante.
O futuro do enfrentamento ao vício em jogos de azar no Brasil depende da união de esforços, do compartilhamento de dados e da escuta ativa dos profissionais de saúde. O que se espera agora é que as discussões comecem a gerar ações concretas e eficazes em benefício da saúde pública. O especialista conclui e cita algumas providências que deveriam ser tomadas: “Exatamente, uma série de medidas, e a gente precisa ter fóruns adequados para discutir quais são essas medidas antes de tomá-las. Então, infelizmente a gente está vendo que os profissionais da saúde estão sendo pouco ouvidos e esperamos que ocorram mudanças e esse cenário mude e a gente comece a ter um pouco mais de atenção direcionada para a saúde. Aguardamos cenas dos próximos capítulos em relação ao que o governo vai elaborar”, finaliza.
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