Colegiado de professores do Rui Barbosa emite carta aberta, após episódio envolvendo um aluno da escola

28 de Sep / 2024 às 08h21 | Variadas

Após publicação de uma denúncia encaminhada por um pai de aluno do Colégio Estadual Rui Barbosa, em Juazeiro, acusando um funcionário da escola e a direção da unidade de agirem com hostilidade e constranger um aluno, menor, professores do Colégio, através do colegiado, encaminharam à redeGN uma carta aberta, direcionada à comunidade,  com considerações sobre o episódio, o papel da escola  e o “compromisso com a formação integral do educando, reforçamos o papel dessa escola na história desta Região”, destacaram.

Confira:

"Carta Aberta à Comunidade

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Essa frase do poeta português Camões ajuda a iluminar os novos tempos em que vivemos: advento das tecnologias da informação e comunicação, e, com elas, as redes sociais (ou antissociais); aumento da intolerância e do discurso de ódio; ideias extremadas; crises climáticas, enfim. E no meio desse redemoinho (“tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”), está a escola, seja pública ou privada, vivendo desafios em seu cotidiano antes inimagináveis: indisciplina, vício em telas, violência, adoecimento psíquico. De fato, os tempos são outros, logo, são outros sujeitos e outras realidades biopsicossociais. Não se trata aqui de defender um passado (“no meu tempo não era assim”) em movimento de nostalgia. Educação é sobre o presente, pois as sementes já foram plantadas e precisam ser regadas e cuidadas por todos – vale frisar – por todos (Estado, família e toda a sociedade, segundo o art. 205, da Carta Magna e o art. 2º, da LDB).

A partir dessa contextualização, precisamos refletir sobre uma questão central: qual o papel da escola nos dias atuais? Em tese, escolarizar, tendo como referência as matrizes curriculares que, por sua vez, são pensadas levando-se em conta o educando em suas competências e habilidades, preparando-os para o mundo do trabalho, o exercício da cidadania e sua formação intelectual. Todos os documentos legais caminham nesse sentido: formação crítica, práticas sociais, trabalho e cidadania. Isso se justifica pelo papel socializador que a escola assume. Assim sendo, estabelecer limites e regras de conduta, amparadas por práticas sociais, tais como respeito, empatia e cuidado mútuo, não deveria ser razão de discordância e espanto. Em síntese, ensinar é estabelecer limites.

Será que sozinha a escola consegue isso? Acreditamos que não, pois o processo educacional é contínuo, ocorre antes, na socialização familiar, durante, no ambiente escolar, e após, nas práticas sociais, especialmente na dimensão do trabalho e da política.

Então, por que condenar a escola, quando esta impõe limites aos seus alunos? Qual o problema em evitar o uso do celular no ambiente escolar, quando há cartazes orientando nesse sentido em toda a escola? Quão grave é o ato de pedir a um aluno que recolha seu prato e copo do refeitório e leve-os ao balcão, considerando que outros alunos irão utilizar o mesmo espaço, de modo rotativo? Não devemos ensinar a nossos filhos a saberem viver em comunidade? É humilhante prezar pelo coletivo e pela higiene? Por essas inquietações, esta carta aberta precisa ser publicada e lida. Mas, para isso, é fundamental o relato do ocorrido, na última terça-feira (23/09), no refeitório deste estabelecimento de ensino: o funcionário solicitou, por duas vezes, para que o estudante recolhesse as sobras de comida do prato e o levasse ao balcão; o aluno se recusou; a vice-diretora interviu, sem sucesso; por fim, a diretora foi acionada, momento em que o aluno, rudemente, recusou-se novamente. Curiosamente, episódio foi filmado em um ambiente no qual o uso do celular só é permitido para fins pedagógicos.

Ao matricular um filho em uma instituição de ensino, seus responsáveis legais transferem os cuidados para a escola, mas isso não significa que os pais não continuam responsáveis pela educação de seus filhos, ou seja, escola e família são, de fato, solidários, no processo educacional das crianças e adolescentes.

Quando a escola repreende um comportamento inapropriado de um estudante, não significa necessariamente que é uma humilhação; ao contrário, é um gesto de cuidado e aprendizagem. Às vezes, pode ocorrer alteração de tom de voz, gestos mais enérgicos, o que demonstra atitude humana. Não há perfeição na maioria das ações humanas, pois ser humana é trabalhar no campo das imperfeições. Isso não significa dizer que abusos não devam ser coibidos. Mas voltemos ao início de tudo: repreender um aluno em sala por estar conversando e atrapalhando a aula de um professor é humilhante ao educando? Precisa ser uma repreensão necessariamente em tom cordial e baixo? O problema está no tom de voz ou no comportamento? Há um protocolo em todas as escolas destinadas a todos os professores sobre qual a melhor forma de impor limites no cotidiano escolar? Como reagir a situações como bullying, violência nas escolas de um modo geral? E as regras escolares não devem ser cumpridas? Ser firme é humilhar? E realizar tarefas como recolher um prato, recolher o lixo do chão, organizar a sala, por exemplo, é humilhar um aluno ou oferecer a este um senso de realidade no exercício do conviver?

Sobre o episódio ocorrido com aluno no refeitório, é oportuno destacar que o recolhimento do prato, talheres e copos, é uma orientação explícita da escola, como fundamental ao uso desse espaço coletivo. Todos os estudantes, professores e funcionários praticam tal conduta, ao final das refeições. Afinal de contas, aos que fazem refeições em shoppings, também não recolhem, sem isso configurar humilhação? Pois bem, reforçamos que conviver é viver com o outro, em um exercício ético necessário ao bem comum.

Ante o exposto, nós, pertencentes à comunidade escolar dessa Instituição de Ensino Complexo Integrado de Educação Básica, Profissional e Tecnológica Da Bahia – CIEB Rui Barbosa -, cientes de nosso compromisso com a formação integral do educando, reforçamos o papel dessa escola na história desta Região. Fundada em 1953, tendo mais de 70 anos de existência, atualmente com aproximadamente 45 professores, entre efetivos e contratados, prestadores de serviços (limpeza, segurança, cozinha), bem como mais de 30 funcionários de secretaria e auxiliares, e ainda, pelo alto desempenho na nota IDEB, superando todas metas estabelecidas pelo MEC. Esses resultados atestam a qualidade do corpo docente, gestores, funcionários e, claro, corpo discente. Isso porque a escola é pensada de modo coletivo (vale repetir que a educação é um compromisso de todos).

Nos últimos anos, temos incorporado práticas inovadoras, desenvolvido parcerias e oferecido aos nossos alunos oportunidades de crescimento em diversos campos. Aqui ofertamos cursos, minicursos e oficinas como os de Introdução ao Direito, Inteligência Artificial, Pilotagem de Drones, Design em Canva, Jogos Matemáticos, Linguagens Artísticas, dentre outros. Além disso, somos uma unidade que oferece aulões preparatórios semanais para o Enem e que, em 2024, destacou-se pelo alto número de aprovações nas universidades da região.

Encerramos esta carta com esse pensamento do patrono da educação brasileira, o intelectual Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Nesse sentido, tudo nos oportuniza aprendizagem, já que estamos nos educando mutuamente  mediados pelo mundo do agora, com valores, por vezes conflitantes, como viver a coletividade ou estimular o individualismo. Não há aprendizagem sem disciplina. Não há ordem no caos. Se, por vezes, gritamos é em um exercício desesperado para sermos ouvidos. Esperamos que a justiça seja reestabelecida à imagem dessa escola. Denúncias devem ser apuradas. Isso é do Estado Democrático de Direito. Mas, voltemos à razão inicial desse documento: qual o nosso papel enquanto sociedade na educação desses jovens? Ter coragem para dizer “não” à indisciplina ou se acovardar e dizer “sim” ao absurdo? Sinceramente, acreditamos que somente pelo diálogo é possível a solução de conflitos. Por essa razão, a escola Rui Barbosa está aberta a sugestões e reflexões, considerando que todos, em maior ou menos medida, estão ainda aprendendo.

Da redação redeGN/Colegiado de Professores Colégio Rui Barbosa

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