Os integrantes dos Três Poderes no âmbito federal, distante centenas de quilômetros da Amazônia, do Pantanal Mato-grossense, sentiram, no fim de semana último, os efeitos das queimadas espalhadas nas regiões Centro-Oeste, Norte e em São Paulo (Sudeste).
Os rios voadores não trouxeram água, mas fumaça perturbadora, produzida pelos focos de incêndio em 16 das 27 unidades da Federação, que também surpreendeu cidadãos comuns.
Uma mensagem de que não é mais possível postergar a execução das medidas necessárias para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, muito menos deixar na gaveta o pacto pela transformação ecológica assinado pela cúpula do Executivo, Legislativo e Judiciário na semana passada.
Hoje, o patrimônio natural arde e suprime a integridade dos biomas do país, afetando a oferta de água, pondo em risco a fertilidade do solo e eliminando elementos da fauna. Fenômenos como as enchentes que destruíram cidades inteiras no Rio Grande do Sul, as recorrentes tragédias na região serrana do Rio de Janeiro e a seca dos rios na Amazônia, uma região cortada pelo maior curso d’água do planeta, não deixam dúvidas de que as mudanças climáticas se tornaram a nova realidade do planeta. As teses negacionistas se perdem em meio aos tornados, às chuvas torrenciais, ou entre os ciclones.
Tanto as cidades quanto o meio rural estão ameaçados. Tornou-se urgente a união dos Três Poderes e de todos os demais segmentos da sociedade, levando em consideração o que recomendam os cientistas e outros profissionais dedicados ao meio ambiente, para a construção de políticas públicas sustentadas pela ciência e pelo respeito ao patrimônio natural. As diferentes bancadas, que representam segmentos como ruralistas, educadores, economistas e da saúde, têm de considerar que a natureza, com toda a sua complexidade, não tem ideologia política. A preservação do meio ambiente por meio de um relacionamento amistoso com todos os biomas é requisito básico para preservar a vida humana.
“O Titanic bateu no iceberg não porque o capitão não o tenha visto. Mas por inércia no uso do maquinário para desviar o navio do iceberg. O que os cientistas, climatologistas e ambientalistas têm feito é avisar que é preciso desviar o planeta do iceberg”, alertou o professor Reuber Brandão, biólogo graduado pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ecologia. Ainda há tempo de dar novo rumo ao planeta, desviando-o do ponto de não retorno, lembrou ele.
A política ambiental brasileira foi muito maltratada nos últimos anos. Órgãos de fiscalização, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e outros que fazem interface com o tema foram desmontados. Ocorreram perdas de técnicos e retração no orçamento – impedindo a aquisição de equipamentos e o custeio de incursões em áreas ameaçadas pelos invasores e predadores.
É um cenário que comprometeu, e compromete, o cumprimento das respectivas missões desses órgãos. Nos últimos oito meses, foram registrados 5.280 focos de incêndios no país, sendo 1.886, na última sexta-feira, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em São Paulo, foram 48 focos de incêndio, em cidades distintas e quase simultaneamente. A coincidência levou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a suspeitar de que se tratou de uma ação premeditada e a solicitar uma investigação da Polícia Federal.
Um pacto verdadeiro pela transformação ecológica do Brasil não deve ser conduzido por ideologias, interesses pessoais ou de grupos. O acordo, para ser cumprido, tem, necessariamente, de entender a natureza como bem coletivo, que precisa ser preservado sem coloração partidária e integrando os mais diversos atores. A sua construção deverá ter como pilares as orientações da ciência, dos diversos profissionais que se dedicam à preservação da vida na natureza, inclusive a humana.
(Texto publicado no Correio Brasiliense)
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