"Diz a lenda que Raimundo Jacó era um vaqueiro fenomenal. Encantador de gado. Seu aboio era tão poético, sua voz tão bonita que o gado urrava, as árvores balançavam e até os pássaros dele se aproximavam para ouvir melhor". Luiz Gonzaga dizia aquele sabia aboiar.
Nos versos cantados de Janduhi Finizola em Jesus Sertanejo: “De sol vou sofrer ou morrer/ E as pedras resplandem a dureza/ A pobreza desse chão/ João, um menino, um destino/ Ai nordestino, de arribação/ Cenário de dor e de calvário/ Ai muda a face desta provação”. E no apelo cantado do Quinteto Violado em Toada de gado: “oh... Vaqueiro do meu sertão/ Não despreze o teu gibão/ Nosso destino é marcado pela providência divina.”
A jornalista Camila Holanda conta a história que nas entranhas do Cariri do Ceará, Chapada do Araripe foi emergido uma versatilidade de ícones que, entrelaçados povoam o imaginário cultural que habita a região e a cultura brasileira.
O teatrólogo, pesquisador cultural, o saudoso Oswaldo Barroso, fazia sempre a reflexão que a primeira vez que esteve no Cariri foi nos anos 70 e a experiência fez com que suas crenças e certezas de ateu fossem desconstruídas e reconstruídas com bases nos sentimentos das novas experiências e epifanias vividas.
"Desde o início, não acreditava em nada de Deus. Mas quando fiz a primeira viagem ao Horto do Juazeiro do Norte, foi que eu compreendi o que era Deus. Isso mudou minha vida completamente. Vi a fé, esperanças nos gestos e ações daquela gente rezando", revelou Oswaldo.
Cada arte emociona o ser humano e maneira diferente! Literatura, pintura e escultura nos prendem por um viés racional, já a música nos fisga pelo lado emocional. Ao ouvir música penetramos no mundo das emoções, viajamos sem fronteiras.
Neste domingo (28), de juho, destino Serrita, Pernambuco, sítio Lages, ali um primo de Luiz Gonzaga, Rei do Baião, no ano de 1951, Raimundo Jacó, homem simples, sertanejo autêntico, tendo por roupa gibão, chapéu de couro tombou assassinado.
Realizada anualmente sempre no mês de julho, a Missa do Vaqueiro de Serrita tem em suas origens esse história que foi consagrada na voz de Luiz Gonzaga, criada com os amigos Padre João Câncio e Pedro Bandeira, violeiro.
Este ano a Missa do Vaqueiro de Serrita completou 54 anos. A missa, uma verdadeira romaria de renovação da fé, acontece sempre ao ar livre. A Missa do Vaqueiro enche os olhos e coração de alegria e reflexões.
Vaqueiros e suas mãos calejadas, rostos enrugados pelo sol iluminam almas. Em Serrita ouvimos sanfonas tocando alto o forró e o baião. Corpo e espírito ali em comunhão. A música do Quinteto Violado, composto por Janduhy Filizola é fonte de emoção. A presença de Jesus Cristo está no pão, cuscuz, rapadura e queijo repartidos/divididos na liturgia da palavras.
Flavio Leandro, o poeta cantador solta a voz no ritmo dos chocalhos e o vaqueiros cantam, a Morte do Vaqueiro. Emoção! Forte Emoção é o sentimento na Missa do Vaqueiro ao ouvir sanfona e violeiros:
“Quarta, quinta e sexta-feira sábado terceiro domingo de julho/Carro de boi e poeira cerca, aveloz, pedregulho Só quando o domingo passa É que volta os viajantes aos seu locais primitivos/Deixa no caminho torto/ o chão de um vaqueiro morto úmido com lágrimas dos vivos".
E aqui um assunto místico: quando o gado passa diante do mourão onde se matou uma rês, ou está esticado um couro, é comum o gado bater as patas dianteiras no chão e chorar o "sentimento pelo irmão morto". O boi derrama lágrimas e dá mugidos em tons graves e agudos, como só acontece nos sertões do Nordeste!
Assim eu escutei e aqui reproduzo...
Ney Vital-jornalista-colaborador REDEGN
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