Artigo: Imagens, uma expressão da política

15 de Jul / 2024 às 23h00 | Espaço do Leitor

Um andador. Aparentar vigor juvenil, corpo musculoso e curvas bem definidas fazem parte dos predicados contemporâneos. Um andador é sinal de fraqueza nas pernas.

A imagem, de um andador na capa da revista The Economist, é a forma de a publicação sugerir que Joe Biden, candidato nas próximas eleições dos Estados Unidos, deveria ser substituído na corrida presidencial.

Independentemente da discussão, se o candidato deve ou não ser substituído, é necessário, em tempos de linguagem visual, compreender a gramática da capa da revista.

Por quê?

A imagem funciona como um estímulo para uma resposta imediata, um sinal vermelho, uma ideia vem à mente no primeiro olhar. As imagens podem ser usadas para estimular um compra, favorecer a cristalização de costumes ou estimular a crítica e insubmissão aos padrões vigentes.

A imagem “pega” quando desperta, de imediato, o mesmo sentimento na maioria das pessoas. A foto da capa sugere fragilidade, velhice, no contexto, incapacidade de governar.

O editor acertou a mão ao qualificar a força muscular como atributo para o exercício da política e do poder. Regimes autoritários, alguns comandados por militares, são a expressão da força e do poder. Regimes democráticos são a expressão do saber, da razão. Cada parte do corpo na sociedade ocidental sugere, de uma forma ou de outra, o lugar do poder. O cristianismo valorizou o coração, os românticos o olhar e a extrema direita as pernas e seu entreato.

Imagens de um sábio barbudo, de um velho inventor genial, ou de um estadista com bengala são figuras do passado. Velhas como o tempo passado. Passou.

Atualmente os gladiadores estão em alta. Na Antiguidade, treinados para a guerra e para as lutas, em razão dos armamentos, não podiam cair, tropeçar. Um escorregão poderia resultar na morte por uma espada, por um tridente, uma corda, um estilingue, entre outros armamentos. A musculatura das pernas e dos braços, a força, garantia a vida na guerra ou na arena. Na atualidade a musculação serve mais à sedução do que para a guerra. Os drones possuem uma tecnologia superior. Supostamente matam de maneira cirúrgica. Quanto às armas de fogo, dispensam a força, mas exigem pontaria. Na atualidade, têm como alvo preferencial a cabeça, o instrumento da razão.

Na Idade Média, como nos lembra Pierre Francastel, as imagens permitiam uma revelação do absoluto, “um diálogo interno do homem com a natureza”, equilíbrio, tradição grega. A idade avançada de uma pessoa sugeria sabedoria. O antigo pacote do humanismo supunha a totalidade, com destaque para o coração e a razão.

Na origem desta história antiga está o velho diálogo, receita de Sócrates. Com idade avançada para a época, pautou muitas conversas. Morreu em nome delas. Tomou a cicuta ao lado dos amigos. Tinha 70 anos. Deixou de herança os diálogos (dialética socrática), a maior invenção dos humanos para uma vida em sociedade.

Um outro barbudo, Leonardo da Vinci, além de pintar, gostava de máquinas. Ele deu início a uma série de invenções com desdobramentos técnicos e tecnológicos. Abriu caminho para outros inventores até os dias de hoje. O velho queria voar.

Muitos séculos depois, apesar das pedras no caminho, um estadista segurou a onda na Segunda Guerra Mundial. Ele usava bengala.

Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

*(As opiniões expressas pelos articulistas são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições da REDEGN.) Texto publicado originalmente no site Jornal da USP

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