A Fundação Padre João Câncio, ligada à celebração da Missa do Vaqueiro, em Serrita, Sertão de Pernambuco, luta contra o “apagamento cultural” de um projeto de lei que prevê uma nova nomenclatura de parte da celebração para “Festa de Jacó”.
O projeto de lei esteve em trâmite para votação na manhã desta terça-feira (25). O pleito, no entanto, foi adiado para agosto após pedido do vereador Junior de Bal (MDB). A Prefeitura de Serrita, que é autora do projeto de lei, negou a mudança no nome, explicando se tratar somente de modificação da nomenclatura de parte da celebração.
A Missa do Vaqueiro foi criada por Luiz Gonzaga, Pedro Bandeira e o padre João Câncio e é comemorada há 54 anos na Zona Rural de Serrita.
A liturgia acontece sempre no último domingo de julho - que, neste ano, será no dia 28. A tradição também prevê três dias de festa antes da celebração religiosa, ou seja, entre a quinta-feira e o sábado.
A missa é realizada em memória de Raimundo Jacó, vaqueiro que era primo de Luiz Gonzaga. Ele foi assassinado em 1954 e teve seu corpo encontrado em uma estrada, no meio da caatinga. O fato inspirou a música “A Morte do Vaqueiro”, cantada pelo Rei do Baião.
Em contato com a Folha de Pernambuco, o secretário de Cultura do município, Carlos Peixoto, explicou que o projeto de lei visa oficializar a nomenclatura desse período de três dias que antecede a missa como "Festa de Jacó".
Nesse caso, a liturgia seguiria sob jurisdição da Igreja Católica e da Fundação Padre João Câncio, mantendo o mesmo nome, enquanto a festa seguiria sob responsabilidade da prefeitura.
"O projeto não fala em mudar o nome da Missa do Vaqueiro. O projeto só fala numa questão de conseguir identificar o que é missa, o ato religioso, e o que é a festa", defendeu o secretário.
"A Festa de Jacó é o ato profano que antecede a missa. A gente vai continuar utilizando o nome Missa do Vaqueiro para a liturgia, e Festa de Jacó para a festa em si, assim como muita gente já fala informalmente. O projeto quer fazer essa diferenciação", explicou o secretário.
Apesar da garantia de manutenção do nome para a Missa do Vaqueiro, os organizadores veem na ação uma tentativa de “apagamento cultural”. Isso porque, segundo a diretora-presidente da Fundação Padre João Câncio, Helena Câncio, o medo é de que, com o passar do tempo, a tradição da celebração seja esquecida em detrimento dos dias de festa - movimento que poderia ter início com a aprovação da nova nomenclatura.
“A Missa do Vaqueiro, desde a instituição, em 1970, é composta pela rezada, pelos vaqueiros e pelos shows. Isso já acontece há mais de meio século. Não pode disassociar os shows da parte religiosa e cultural. A celebração acontece sempre no mesmo local, o mesmo fato, e sempre foi chamada de Missa do Vaqueiro”, comentou Helena.
“Eles querem fazer essa repartição que nunca existiu. É um absurdo. A gente tem que se mobilizar para protestar contra isso. É inconstitucional. Todo mundo pergunta se vai acontecer. Mas, até agora, Estado e município não se posicionaram. Até porque a Missa do Vaqueiro tem um público muito fiel, que vem de várias partes do Brasil e até de fora. Todo mundo está nessa indefinição. É preocupante. Eu vejo a cultura sem prestígio algum, sem ação para que ela permaneça viva”, completou
Ainda segundo Helena, existe a luta para preservação da celebração que vai muito além da nomenclatura. Desde a concessão do Parque Estadual João Câncio por parte do Governo do Estado, em 2022, ao município, a Fundação denuncia também a falta de contratação de artistas locais para a festa, que acontece por parte da prefeitura.
“Estão deixando de contratar nomes daqui para trazer sertanejos de Goiás, com cachês altíssimos, com dinheiro do município. Querem mudar uma cultura raiz nossa. Já transformaram isso em um festival”, relatou.
A prefeitura, por outro lado, afirmou que o movimento de contratação de “artistas nacionais” é natural e não prejudica a cultura local.
“Se você pegar a grade da Missa, vai ver que sempre fizemos a mistura com artistas locais e nacionais, como qualquer festa, até para atrair mais público. O fato de ter atrações nacionais não significa que estamos apagando a cultura local, e, sim, estamos trazendo mais pessoas para a festa, que a economia e turismo aqueçam”, explicou o secretário de Cultura de Serrita.
A reportagem entrou em contato com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) para entender mais a participação do Governo do Estado na medida e o que pode ser feito daqui para frente para a preservação da celebração. Até a publicação desta atéria, não houve resposta.
Repercussão negativa-Por mais que venha desde o ano passado, o projeto voltou à pauta na última semana, quando o cantor e compositor Daniel Gonzaga, neto de Luiz Gonzaga, protestou contra a tentativa de mudança.
"Querem mudar o nome da Missa do Vaqueiro para Festa de Jacó, apagando mais de 50 anos de história. Uma história criada por padre João Câncio, Luiz Gonzaga e o poeta Luiz Bandeira. (...) Esse apagamento é muito grave", criticou.
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