Abastecer escolas com agricultura local e familiar é alternativa para transição agroecológica

02 de May / 2024 às 11h00 | Variadas

Em resposta à crise do atual modelo agroindustrial dominante, que produz em larga escala para consumo em massa, o abastecimento de alimentação escolar com produtos frescos e orgânicos oriundos da agricultura local e familiar é uma promessa para uma transição ecológica para novos modelos de produção, os chamados Sistemas Agroalimentares Alternativos (SAA) que causam menor impacto ambiental.

Essa foi a constatação de uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, feita em parceria com a Université Paris 8 Vicennes-Saint-Denis (França), que analisou duas leis, uma brasileira e outra francesa, de incentivo ao abastecimento sustentável de escolas em várias regiões de São Paulo e Paris.

Os SAA surgiram nos anos 2000 a partir de reivindicações de movimentos sociais. Segundo a pesquisa, o termo agrupa diferentes iniciativas que se caracterizam por práticas agrícolas de comercialização e de consumo que buscam soluções frente aos problemas causados pelo sistema agroindustrial vigente.

A agroecologia, por exemplo, inclui a substituição do uso de agrotóxicos e adubos químicos por insumos naturais e orgânicos em suas produções, e os agricultores devem estar comprometidos com inúmeros procedimentos técnicos que vão desde a conservação do solo, manejo ecológico de pragas e doenças à destinação adequada de resíduos sólidos.

Além da questão agrícola, os SAA propõem a construção social de um mercado orgânico agroecológico, que privilegia agricultores locais e familiares em pequenas propriedades rurais próximas a grandes regiões metropolitanas, de forma a diminuir a distância entre quem produz e quem consome.

O estudo franco-brasileiro foi baseado na análise comparativa de duas leis promulgadas em 2009 que apoiam a agricultura alternativa, uma do Brasil e outra da França, países agroexportadores e cuja balança comercial tem se mantido equilibrada pelo setor agrícola. Um dos objetivos do estudo foi compreender em que medida as políticas públicas que incentivam o abastecimento sustentável das escolas, implementadas nas duas regiões metropolitanas, contribuem para a mudança do modelo agroindustrial para sistemas agroecológicos alternativos.

Ao analisar as duas leis, a engenheira agrônoma e autora da pesquisa, Morgane Isabelle Hélène Retière, avaliou que lei brasileira é mais avançada que a francesa, por trazer orientações mais claras e objetivas sobre a aquisição de produtos locais e orgânicos.

No Brasil, a Lei 11.947, que diz respeito ao programa de alimentação escolar, impõe, por exemplo, que no mínimo 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao Ministério da Educação, sejam destinados à compra direta da agricultura familiar.

Já na França, a Lei Grenelle 1 é mais genérica e sugere que no mínimo 20% das aquisições nas escolas sejam feitas de produtos orgânicos, bem como daqueles com baixo impacto ambiental, mas não especifica de que sistemas tais produtos provêm. Na lei francesa, a pesquisadora verificou também que a vinculação entre a alimentação escolar e a política alimentar governamental não aparece de forma tão clara quanto na lei brasileira.

Os textos da política alimentar francesa, ao contrário da lei brasileira, não recomendam explicitamente a redução do consumo de alimentos industrializados, embora se reconheça que os produtos possam conter teores excessivos de açúcar, sal e gordura.

Outra ressalva positiva feita pela pesquisadora em relação à lei brasileira foi a dispensa de licitação pública para a compra de alimentos da agricultura familiar, um processo que, em geral, é burocrático e demorado, tendo como um dos critérios o menor preço. Pela Lei 11.947, a aquisição dos alimentos pode ser realizada por chamada pública, procedimento administrativo mais rápido, utilizado para firmar parcerias com organizações da sociedade civil, como ONGs. “Na hora da aquisição dos produtos, ficam em primeiro plano outros critérios que não o preço, como a origem geográfica, a produção ecológica e a inclusão social”, diz.

Sobre a trajetória das duas leis, Morgane Retière diz que a brasileira teve origem em movimentos de combate à fome e à desigualdade social, no início nos anos de 1940, foi intensificada após a redemocratização do País e ganhou apoio institucional durante o governo do Partido dos Trabalhadores, em 2003.

Já a lei francesa foi criada a partir do controle de segurança sanitária dos alimentos, principalmente os de origem animal e, a partir dos anos 2000, passou a ter enfoque também no combate à má alimentação do ponto de vista nutricional, que culminou no aumento da obesidade populacional gerada pelo consumo de alimentos industrializados. Confira reportagem na integra Jornal da USP.

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