"Considero que foi um verdadeiro milagre, uma convergência de fatores impressionante", refletiu Roseana Murray, escritora e poetisa de 73 anos, sobre o ataque que sofreu por três cães da raça pitbull enquanto caminhava em Saquarema, no último dia 5. Internada no Hospital Estadual Alberto Torres, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, Roseana concedeu uma entrevista ao Fantástico, da TV Globo.
"Um momento da tragédia foi tão... saí de casa, os três cachorros estavam na rua e pensei: eles vão me deixar passar. Mas quando passei, eles me atacaram ao mesmo tempo. Foi muito rápido, eles praticamente teriam me destruído. Gritei por socorro, mas não passava ninguém, pois estava indo para academia às seis da manhã. A pessoa que me salvou era um rapaz que corria na praia", relatou Roseana.
Era Eduardo Neves, ultramaratonista que treinava ali perto. Ele contou que uma terceira pessoa também ajudou a salvar Roseana.
"Quando cheguei próximo, vi a senhora deitada no chão, três cachorros em cima, atacando de todas as formas. Fui com um cabo de vassoura pedindo para saírem, mas eles vinham para cima de mim. Subi o muro até o da casa dela, nem sabia quem era. Gritava por socorro, e do nada veio um carro de passeio. Foi quando começaram a me ajudar, enquanto eu enfrentava os cachorros e o motorista jogava o carro em cima deles", narrou Neves.
Depois de conseguir prender os cachorros de volta na casa de onde haviam fugido, Neves chamou os bombeiros. "Isso para mim é gratificante demais, salvar uma vida não tem coisa melhor", expressou Neves.
Roseana foi levada de helicóptero para o hospital, onde recebe os cuidados médicos necessários.
"Ela chegou em um estado considerado muito grave, com lesões significativas, sangramentos e hemorragias, o que nos levou a realizar imediatamente o primeiro atendimento e encaminhá-la para o centro cirúrgico", explicou o médico.
Os médicos enfrentaram uma situação crítica, tendo que amputar o braço direito de Roseana devido ao risco de sangramento, que já estava totalmente exposto até o osso.
"Ela perdeu parte do braço direito devido às lesões graves que apresentava. Além disso, também houve lesões no braço esquerdo, que conseguimos reconstruir, e na face, onde realizamos uma cirurgia plástica completa para sua reconstituição", acrescentou o médico.
Os filhos se preparavam para o pior. Guga Murray, um dos filhos de Roseana, compartilhou uma conversa que teve com a escritora:
"Então, eu lhe disse, mãe, estamos aqui. Estamos ao seu lado. Você lutou, sobreviveu, está viva. Ainda temos muita jornada pela frente, mas se você estiver cansada, se quiser fechar os olhos e descansar, não se preocupe, estamos aqui com você. Então, ela falou com um sopro de voz que ela conseguiu emitir, ela falou: "eu quero viver".
O médico expressou surpresa diante da rápida recuperação da escritora.
"Estávamos realmente preparados para uma recuperação lenta e complicada, com o risco de infecções e a possibilidade de as feridas não cicatrizarem adequadamente. No entanto, as feridas estão se cicatrizando bem, e não há sinais de infecção no momento. É realmente gratificante testemunhar a força que ela demonstra em sua própria recuperação", declarou o médico.
Guga Murray, filho de Roseana Murray, enfatiza que sua mãe está linda e faz uma observação tocante sobre suas cicatrizes:
"Ela está linda, parece que as cicatrizes foram desenhadas com uma canetinha. Não há hematomas, inchaços ou sangramentos. Os ferimentos extensos estão se curando a uma velocidade incrível, superando todas as expectativas médicas."
Na entrevista, Roseana compartilha sua jornada emocional desde o resgate:
"No início, é como se você se afundasse, não é? Cheguei aqui de helicóptero, entubada, é uma sensação muito estranha, como se eu perdesse o contato comigo mesma. Mas hoje é o melhor dia emocionalmente que já vivi."
Ela prossegue destacando o progresso passo a passo:
"É um processo gradual... Sim, aos poucos, à medida que as feridas vão cicatrizando, porque tenho certeza de que vou sair daqui."
Roseana Murray é uma renomada escritora com mais de 100 livros de poesia voltados para crianças e jovens em seu repertório. Reconhecida por sua contribuição literária, recebeu diversos prêmios ao longo de sua carreira, incluindo o prestigiado Prêmio da Academia Brasileira de Letras para Literatura Infantil em 2002, pelo livro "Jardins". No ano seguinte, o vencedor foi Ziraldo.
Enquanto ela luta pela vida no hospital, seus pensamentos ecoam em sua casa em Saquarema, onde um projeto criado por ela continua a encher o ambiente com alegria.
"Café, Pão e Texto" é um encontro literário envolvendo alunos de escolas públicas, onde além de compartilhar leituras, há também uma degustação de guloseimas. O evento é testemunhado por Juan Arias, jornalista e escritor espanhol de 91 anos, esposo de Roseana Murray.
Juan Arias enfatiza que o projeto é a vida de Roseana, pois ela dedica-se às crianças, especialmente aquelas que enfrentam maiores dificuldades.
"Pense que aqui chegam crianças do subúrbio do Rio, uma cidade que o mundo inteiro admira, mas onde muitas delas nunca viram o mar. Quando as levamos à praia, ficam completamente encantadas. Isso significa muito para ela. Ela recebe principalmente escolas públicas, especialmente de áreas mais carentes. E quando essas crianças chegam aqui, parecem um bando de passarinhos, correndo pelos jardins e exclamando que encontraram o paraíso. Ela faz questão de preparar um café da manhã completo para eles. Eles se sentam, comem e, em apenas 10 minutos, Roseana conquista a todos. Ela tem um dom especial com as crianças, que vai além da escrita."
O caso foi registrado na 124ª DP (Saquarema), que investiga os crimes de maus-tratos a animais, lesão corporal culposa e omissão na cautela de animais. O delegado relatou que, além do crime de maus-tratos aos animais, que já está devidamente comprovado nos autos, os responsáveis também estão sendo acusados de omissão de cautela em relação aos animais e lesão corporal.
"No que diz respeito à lesão corporal, com base nas investigações até o momento, inicialmente entendemos que ocorreu apenas uma negligência ao deixar o portão aberto. No entanto, diante dos relatos das testemunhas sobre outras ocorrências de ataques envolvendo os cães e das reiteradas omissões por parte dos responsáveis, estamos considerando alterar a qualificação para lesão corporal dolosa. Essa qualificação é qualificada pelo resultado, que seria uma lesão corporal gravíssima. A pena prevista para esse tipo de crime varia de três a oito anos de reclusão."
Documentos do início de janeiro, aos quais o Fantástico teve acesso, revelam que tanto a polícia quanto a prefeitura de Saquarema foram alertadas sobre ataques dos mesmos cachorros a pessoas e outros animais.
O delegado explicou que caberia à prefeitura a retirada dos cachorros em caso de denúncia. Quando questionado se havia notificado a prefeitura anteriormente sobre as denúncias, ele respondeu afirmativamente, mencionando que foram enviados ofícios por via eletrônica.
Em resposta ao Fantástico, a prefeitura de Saquarema declarou, por nota, que não recebeu qualquer notificação da polícia ou de outros órgãos competentes sobre ocorrências envolvendo os cães. Acrescentou que recebeu um relato e encaminhou o denunciante a um canal específico da Secretaria do Direito Animal, mas que o órgão não foi procurado.
A prefeitura também informou que deu início a um processo de desapropriação da casa, onde vivem os tutores e os cachorros, com o objetivo de transformar o local em um centro cultural e educacional no futuro.
Enquanto isso, os médicos afirmam que Roseana Murray deve retornar para casa nos próximos dias. Durante a entrevista ao Fantástico, Roseana expressou sua determinação em seguir em frente, mencionando que terá que aprender a escrever com a mão esquerda, mas que a vida continua e que morar em Saquarema é maravilhoso. Ela enfatizou a importância da força interior.
"A sua força me dá força. Viver é um milagre que nos guia, sim é verdade. Eu escrevi isso", concluiu.
Roseana também fez um longo desabafo em seu perfil no Instagram, neste domingo (14). Na publicação, Roseana diz que planeja um sarau de poesia no hospital. Ela também afirma que vai presentar a equipe médica que cuidou dela com seus livros, "autografados com a mão esquerda".
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